Capítulo 11 – Loucura ou Verdade?
Yumi acordou no dia seguinte com o sol esquadrinhando seu rosto.
Por um segundo, ela imaginou que estava no seu velho apartamento e espreguiçou-se.
Só então, lembrou-se que havia sido sequestrada por Tae Joon Ki e sua irmã. Ambos malucos que falavam coisa sem o menor sentido, criando uma loucura delirante na qual queriam envolvê-la.
No entanto, ela se sentia muito melhor agora que havia amanhecido, agora que a luz do sol invadira seu quarto com um mormaço acolhedor e energizante.
– Não pense bobagens, Yumi! – disse ela a si mesma, com um sorriso por ser tão ingênua e influenciável – Provavelmente, passou o efeito da perda de sangue. Não sou uma arcana, a luz do sol não me afeta e não existem demônios.
Yumi fechou a mão, para ver como estava a dor em seu pulso, mas não doía mais. Ela desenfaixou o pulso para checar a ferida e se surpreendeu em ver apenas uma cicatriz recente. O corte parecia ter sido bem fundo para estar já cicatrizado.
“Loucura”… pensava ela… “é só loucura. Não embarque nessa, Yumi”
– Pelo visto, já se sente melhor. – falou Tae Joon Ki, invadindo o quarto com uma bandeja. – Trouxe o seu café. Depois disso, coloque um casaco, vamos passear lá fora.
Por mais que estivesse sendo acompanhada pelo seu sequestrador maluco, Yumi estava apreciando aquele passeio na passarela que rodeava os jardins da casa como um belo labirinto. Os jardins da mansão de Tae Joon Ki eram bem tratados. As árvores haviam sido podadas, a grama verde e brilhante era bem cortada e ss sprinklers de água funcionavam ora em um lugar, ora em outro, quase sendo ornamentos naquele jardim de flores belas e coloridas. E o aroma… era sensacional aquele misto de tantas flores!
Era como um bosque encantado ainda mais belo com as luzes de sol o iluminando.
– Você deve caminhar por aqui toda a manhã para fortalecer seu corpo. O sol da manhã é essencial para você e o seu nível de energia que deve ser bem alto sempre. Você vai precisar aprender autodefesa e também alguns feitiços básicos.
– Claro, feitiços… – disse ela, com uma nota de ironia, pensando em quantas loucuras mais ele teria para ela.
– Você ainda não acredita em mim, não é? – perguntou Tae Joon Ki, sorrindo debochado. – Logo irá acreditar. Nós iremos numa missão hoje a noite. Ainda é muito cedo para você lutar ou fazer algo, mas você vai observar. E então, irá acreditar em mim.
– Está bem, se quer assim… – disse ela, desanimada. Talvez conseguisse alguma chance de fugir, se saíssem dali. Pelo menos, ele não parecia querer machucá-la, o que já era alguma coisa.
– Estou curioso com algo. – disse ele, caminhando ao seu lado. – E preciso que me fale a verdade, ainda que seja doloroso para você: o que aconteceu com sua mãe? No julgamento, meu advogado disse que você surtou quando sua mãe faleceu. O que aconteceu?
Yumi parou um segundo e respirou fundo. Não queria revelar seu passado ao homem que era seu sequestrador e a mantinha presa, mas também sabia que ele não iria largar aquele osso enquanto ela não revelasse a verdade.
– Ela morreu. Eu surtei. Acontece. – resumiu ela, torcendo para que aquilo fosse o suficiente.
– Pelo que eu investiguei, ela morreu num incêndio. Os bombeiros acharam que era um incêndio criminoso, pois havia vários focos de incêndio ao mesmo tempo, mas não conseguiram encontrar nenhum tipo de combustível. Foi você, Yumi?
Yumi parou novamente e olhou para ele com os olhos arregalados.
– Eu achava que sim. Eu tinha apenas 13 anos quando tudo aconteceu – respondeu ela, marejando os olhos. – Mas os bombeiros falaram que era impossível eu estar em vários lugares da casa ao mesmo tempo. Ainda assim, eu sempre achei que eu tinha sido a culpada.
– Por que? Como aconteceu?
– Minha mãe havia me machucado naquele dia. Ela não deixava eu sair e eu não conseguia entender porque. Então, eu fugi, tentei pegar um ônibus para a cidade onde meu pai morreu, para morar com minha avó paterna, mas eu fui pega pela polícia. Quando eu cheguei em casa, ela bateu no meu rosto. Naquele dia, eu fui dormir com muita raiva. Eu disse a ela: queria que você ardesse no inferno. Foi a última coisa que eu disse a minha mãe, você imagina isso?. Quando eu acordei, a casa estava em chamas. Eu tentei ir até o quarto dela, mas não consegui. Então, fugi pela janela. Eu achei que ela também tinha fugido, mas… mas…
Yumi parou de falar. Sua garganta embargou com a dor que sentia desde aquele dia. Raramente falava sobre aquilo. Ela tinha problemas com sua mãe, mas a amava profundamente. Sua mãe era a sua vida e quando ela morreu, uma coisa havia se quebrado dentro dela. Ela não conseguia, talvez nunca conseguisse, superar a dor daquela perda.
– Eu sinto muito, Yumi – disse Tae Joon Ki, colocando a mão no ombro dela e fazendo uma pequena carícia com o polegar. – Não deve ter sido fácil…
– Por que você acha que fui eu? Como chegou a essa conclusão? No relatório dos bombeiros e da polícia, só está a conclusão de que foi um incêndio de causa misteriosa.
– Foi um acidente…. – falou ele, tentando ocultar algo importante dela. O que ele sabia daquele acidente? O que ele não estava lhe contanto? Por que ele havia perguntado se havia sido ela?
– Ontem, eu pensei por um momento que eu tivesse o poder de abrir portas com o meu pensamento. Se isso é parte do poder que você diz que eu tenho então… Então o mesmo aconteceu com minha mãe? Eu quis que ela ardesse e ela morreu queimada? É isso que está me dizendo… ?
– Fique calma, Yumi…
Yumi se abaixou, acocorando-se no chão. Tinha dificuldades para respirar e o seu corpo todo tremia sem que ela pudesse controlar. Era só mais uma loucura de Joon Ki, mas aquela ideia bateu muito forte em seu coração. Se ela realmente tivesse poder, teria ela sido a responsável pela morte de sua mãe. Não podia aceitar aquilo e esses sentimentos só faziam ela se descontrolar mais e mais…
– O que está acontecendo? – perguntou Tae Joon Ki, abaixando-se para olhar no rosto de Yumi.
– Estou tendo um ataque de pânico. Preciso do meu remédio. Deve ter remédios em minha bolsa… por favor, eu preciso do meu remédio.
– Os remédios estão bloqueando seus poderes, você não irá mais tomá-los. – declamou Joon Ki, simplesmente, sem perceber a gravidade daquele surto.
– Como pode dizer isso? Eu preciso deles… eu não… eu não consigo respirar… eu vou morrer… você precisa me dar os meus remédios… – implorou ela, sentindo o peso em seu peito, os lábios arroxeados e a respiração rarefeita.
– Você não vai morrer… é uma arcana. – declarou ele, observando-a atentamente.
Aquilo a enfureceu como nunca antes. Ela se levantou e o atacou furiosamente.
– Pare com isso! Pare com isso! Você está me matando! – disse ela, socando o peito de Tae Joon Ki, mas ele segurou o seu pulso e a abraçou.
– Você vai ficar bem… apenas controle sua respiração.
– Me solta, seu maluco…
Ela tentou se desvencilhar dele no início, mas depois de alguns segundos, Yumi deixou-se envolver pelos braços de Tae Joon Ki e se aninhou no peito dele, escutando as batidas de seu coração. Prestando atenção naquele barulho rítmico, e sentindo as carícias dele em suas costas, pouco a pouco, Yumi começou a se sentir um pouco melhor.
– Entenda, Yumi. Você tem grandes poderes. Não é como um xamã que precisa estudar e praticar para desenvolver sua habilidade. Uma arcana é um ser elemental, você tira o seu poder dos quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Seu poder é natural, é nato, mas pode ser controlado e é isso que nós vamos fazer.
– Se isso tudo que você falou é verdade, então também é verdade que eu matei minha mãe. Eu não posso aceitar isso. – disse ela, enxugando as lágrimas que brotaram de seus olhos contra a sua vontade.
– Você não deve se culpar… Você não sabia. Foi um acidente, Yumi. Tenho certeza disso. Você não é uma pessoa má. Se fosse, não seria uma arcana. Mas se você ficar se culpando, você pode ser tomada de forças escuras e não conseguir desenvolver seu poder corretamente. Por isso, precisa limpar do seu organismo qualquer culpa e qualquer memória ruim do seu passado. Para dominar os quatro elementos, é preciso também dominar as emoções, ou as emoções podem fazer você perder o controle e um novo acidente pode acontecer…
– Isso é loucura! Isso tudo é loucura!! Eu não acredito nisso e nunca vou acreditar. – falou ela, ainda aninhada em seus braços, sentindo o calor do corpo dele contra o seu como se fosse um cobertor macio a lhe acolher em uma noite fria.
Não queria admitir, mas Tae Joon Ki tinha um lado sedutor que era difícil não notar.
Ele tentava convencê-la de que aquela loucura toda era verdade. E fazia isso com leveza, apesar da tensa situação, com aquele abraço e suas carícias sutis, era como se ele quisesse derreter qualquer fino gelo que ela colocasse entre ambos.
Mesmo não querendo, pouco a pouco, Yumi sentia que sua resistência começava a se abalar.
– Eu sei que é difícil acreditar nisso tudo. Parece loucura… parece um filme que você pode simplesmente trocar apertando um botão do controle remoto. Mas não é assim, Yumi. E você vai mudar de ideia hoje a noite. – sentenciou ele, com uma nota grave.