Capítulo 7 – A inocente Cho Na Ra
Nos dias seguintes, o psicopata deu algum descanso para a equipe de homicídios. Isso era de praxe. Sempre ficava 15 dias sem nenhum movimento até começarem a aparecer os primeiros casos de desaparecimento ou sequestro e quando a lua ficava cheia, os corpos é que apareciam.
Por isso, era o momento de processar toda a informação que conseguira com o Dr. Cho o mais rápido possível, para tentar prever o próximo passo.
Como prometido, ele enviou a ela uma lista com pessoas que eram familiares das vítimas do Dr. Park, o pai psicopata do médico psicopata.
Era tanta informação para processar, que Han Kio agradecera a si mesma pela ideia de compartilhar seu temor pela segurança da menina Cho Na Ra. Pois com tanto trabalho a fazer, não teria uma equipe 24 horas com a garota para protegê-la.
O que tinha era um par de detetives que ficavam de tocaia na frente da casa do Dr. Cho e confirmaram a Han Kio que havia um batalhão de seguranças a mais na mansão da família Cho, um pequeno palácio com um jardim maior do que uma fazenda.
Han Kio aproveitou os dias mais tranquilos para verificar todas as floriculturas da cidade, afinal, os corpos sempre eram acompanhados de lírios brancos. Entretanto, infelizmente, nenhuma floricultura havia recebido lírios nos últimos dias. Então, resolveu investigar floricultores. Achou apenas um floricultor que cultivava lírios, mas ele apenas entregava-os para uma empresa de casamento em Busan e todos os controles eram meticulosos, então, logo descartou-o como suspeito. A pista dos lírios não havia dado em nada.
Dias depois, foi a vez de Han Kio visitar a tal mansão Cho.
Ela havia marcado uma hora para entrevistar a Sra. Baek, governanta do Dr. Cho.
Logo ficou muito evidente, porque o Dr. Cho precisava de uma governanta. A mansão era enorme. Ficava em uma bonita rua que rodeava um morro, cheio de casarões e mansões enormes e belas. Porém, a do Dr. Cho era a mais bela. Era branca e tinha um adorável jardim que mais parecia um parque.
Ficou até com vergonha de passear por ali com seu carro popular ínfimo, estacionando-o perto da porta de entrada que ficava em um pórtico que lembrava os portões shitos japoneses.
Antes de entrar na casa, resolveu investigar o exterior da casa do Doutor psicopata. Coincidentemente, entre as muitas flores, havia também lírios brancos. Depois de verificar com cautela o jardim que parecia intacto, sem galhos quebrados, passou a analisar a casa. Aquela tinha o aspecto das casas antigas coreanas.
Um dos jardineiros olhou para ela, com curiosidade, mas voltou a seu trabalho quando a porta se abriu. Uma mulher acima do peso e aparentando estar perto dos sessenta anos a atendeu.
– Olá, sou a detetive Ji Han Kio. Eu gostaria de falar com a Sra. Baek. – disse ela à robusta senhora.
– Sim, querida, entre, vou chamá-la.
A mulher levou-a até o que parecia ser a sala de visitas: um lugar três vezes maior que seu apartamento que tinha sofás tão brancos quanto os que viu no escritório do Dr. Cho. E tudo ali parecia tão imaculado quanto o que vira na direção do hospital. O dr. Jack Cho tinha realmente mania de limpeza.
Não demorou muito para que uma mulher, alta e magra, aparentando estar nos seus cinquenta anos, aparecer.
– Por favor, Srta. Ji, sente-se. Eu sou Baek Há Ri, a governanta dos Cho. Trabalho com os Cho desde que a Sra. Cho, mãe do Doutor Cho, que Deus a tenha, estava viva.
– Sim, desculpe-me incomodá-la, mas preciso muito investigar algo. O Dr. Cho me disse que a senhora estava com a menina Cho Na Ra quando um homem roubou o casaco dela. Pode me dizer como foi isso?
– Sim. Normalmente, não sou eu que pego Na Ra na escola. A menina tem uma preceptora, a Srta Lee. Mas naquele dia, a srta Lee estava doente, então, fui buscar Na Ra. Assim que a menina saiu da escola, ela veio direto ao carro onde eu a estava esperando. Então, um garoto que deveria ter uns quinze ou dezesseis anos veio de bicicleta e arrancou o casaco da Na Ra. Ela caiu no chão, mas por sorte, não se machucou e eu não dei muita importância no dia, já que Na Ra tem outros casacos do uniforme dela.
– A senhora já tinha visto o garoto que roubou o casaco? Pode descrever a aparência dele?
– Eu não vi muita coisa. Ele estava vestido como um garoto normal: uma bermuda jeans, camiseta azul, se não me engano… ah, e um boné, por isso, não vi o rosto dele direito. O casaco da Na Ra é muito bom. Reforçado. Achei que era um ladrãozinho atrás de alguma coisa para vender fácil e ter dinheiro para drogas. Mas então, o Dr. Cho me disse que pode ser um sequestrador. Então, fiquei apavorada. E o sr Cho proibiu Na Ra de ir a escola.
– Acho que o verdadeiro culpado deve ter dado dinheiro para que esse ‘rapaz’ pudesse roubar a Na Ra, mas vou investigar. Eu preciso falar com a menina, posso?
– Pode, claro… o Dr. Cho imaginou que iria falar com ela, mas peço que não a assuste, por favor. Cho Na Ra tem epilepsia. Se fica nervosa, pode ter uma crise, então, peço que seja muito cuidadosa com suas palavras.
– Posso saber onde está a mãe da Na Ra?
– Deve estar no hospital. Ela é médica também. Não se dá muito com o Dr. Cho. Quando se separaram, ela resolveu deixar Na Ra aqui, pois os pais da Sra. Park Bo Ra não gostam muito da menina e até a destratam.
– Entendo.
– A mãe vê a menina com frequência, mas nunca leva a menina para a casa dos avós. Parece que Na Ra teve uma convulsão fortíssima quando estava lá. Nem o Dr. Cho permitiu que a sra. Park a leve depois disso.
– Imagino que deva ser terrível para Na Ra.
– Sim, por isso, conto com a sua sutileza, Srta. Ji.
– Claro… posso saber onde é o quarto da menina?
A Sra. Baek conduziu Han Kio por uma enorme escadaria até o segundo andar do enorme casarão. Toda casa estava impecável. Nem uma sujeirinha para dar uma vida. Parecia mais limpo que o hospital, o que não era normal para uma casa com uma criança.
Para seu alívio, o quarto da menina não era tão organizado assim e até tinha bonecas e almofadas espalhadas pelo chão. A garota, Na Ra, estava sobre a cama e estava rindo de um vídeo de gatinhos na internet. Parecia uma criança normal.
– Na Ra, que bagunça nesse quarto. – implicou a Sra. Baek guardando as almofadas e bonecas em um armário. – Essa moça quer falar com você um pouquinho. Se precisar de mim, estou aqui no quarto ao lado, falando com a tua preceptora.
Assim que a Sra. Baek saiu do quarto, Han Kio sentou-se ao lado da garota que a fitou intrigada.
– Você é a nova namorada do papai? – perguntou ela, arqueando uma das sobrancelhas.
A menina era adorável, uma gracinha.
– Não, Na Ra. Eu sou uma policial.
– Uma policial? Uau… como a policial da TV? Você tem uma arma? Você já prendeu um bandido?
Han Kio riu da empolgação da menina. Infelizmente, a vida de uma detetive de homicídios não é como uma série de TV. É muito mais sinistra.
– Já sim… Eu prendo pessoas más. E protejo pessoas boas.
– Uau! – disse a menina com admiração.
– Na Ra… eu soube que um garoto roubou o seu casaco outro dia.
– Sim… eu caí e machuquei a bunda no chão. Você vai prender aquele idiota? – perguntou ela.
– Se eu puder encontrá-lo, talvez eu dê a ele uma boa lição. Você viu aquele garoto antes?
– Não, nunca!
– Entendo. – disse Han Kio, tirando do seu caderninho a foto de uma das vítimas do psicopata da lua cheia. Entretanto, ao invés de usar a foto do corpo despedaçado, usou uma das fotos em que a moça estava inteira, sorrindo de alguma coisa.
– Você já viu essa garota antes, Na Ra. O nome dela é bem parecido com o seu: é Sio Na Ra.
– Não, que eu me lembre. Ela também rouba casacos das outras pessoas?
– Não… nada disso – disse ela, guardando a foto e tirando outra do caderno. – E essa aqui? Você conhece essa garota?
– É a Saruto Maike, não é? – perguntou a garota, para a surpresa de Han Kio. A menina sabia quem era a garota japonesa que foi encontrada morta.
– Você a conhecia? Ela estudava na sua escola.
– Uhm… na verdade, nunca a vi. A área do Ensino Médio é bem distante da do Ensino Fundamental no Colégio Veritas. Até a entrada dos dois é bem distante. Então, nunca encontramos os garotos mais velhos.
– Então como a conhece? Viu na TV a foto dela?
– Eu não assisto muito a TV. Mas eu vi a foto no Instagram da escola. Bem… na verdade, não é o Instagram da escola. É um Instagram secreto, que a gente olha pra ver as fofocas. Foi lá que eu vi a foto da Saruto Maike.
– Posso ver esse Instagram? – perguntou Han Kio, curiosa.
A menina acessou o Instagram no celular e passou para Han Kio que foi descendo alguns posts. A maioria era de fofocas e bullying contra os garotos e garotas da escola, mas logo viu a foto da Saruto num dos posts e clicou em cima para ver os comentários:
“………..- Sabia que a Saruto estava morta! A polícia é bem incompetente nesse país.
– Ela estava grávida!
– Mentira!
– Eu vi o TESTE! Ela estava mesmo grávida.
– Quem era o Pai?
– O pobretão que ela namorava!
– A escola jamais deveria dar bolsas de estudo para pobretões.
– Dá nisso! Se envolver com gente dessa laia.
– Alguém deveria matar todas as pessoas pobres
– Preconceituoso do Caralho!
– Você que é? Deu um fora do Park Bo Geum só porque ele é filho do seu motorista! Homofóbico de merda.
– Vai se foder, filha da p…A Maike morreu pq era uma puta q nem você!
– Isso lá é verdade. Todo mundo sabe que o psicopata só pega puta.………….”
Han Kio ficou horrorizada olhando os comentários do instagram.
Eram de muito mal gosto. Como adolescentes podem ser tão crueis com uma garota, colega deles que faleceu tão brutalmente?
Depois de um tempo, Han Kio saiu do Instagram e devolveu o celular para a menina.
– Na Ra, você não deveria entrar nesse instagram. – aconselhou ela, com uma voz firme mas suave – A garotada fala muito palavrão e falam coisas que não deveriam. Não sabem respeitar. Então, não é legal ler essas coisas, principalmente para uma menina como você, tão educada.
– Você vai dizer isso pro meu pai? Se disser pro meu pai ele vai tirar o celular de mim. Ele já não me deixa ir para a escola. Se tirar o meu celular… eu vou morrer de tédio, sério.
– Eu preciso… mas de qualquer forma, é melhor deixar de seguir essa conta no Insta pra não receber notificação. Promete? – disse Han Kio, com o dedo mindinho voltado para Na Ra que o envolveu em seu próprio mindinho e o polegar de ambas se encontraram em um selo de confiança.
Han Kio deixou a menina assistindo os vídeos de gatinho e saiu do quarto. Pensou em falar com a preceptora de Na Ra, mas viu na tela do celular que já era bem tarde e precisava voltar a delegacia.
Quando desceu as escadas, deu de cara com o doutor psicopata.
– Boa Tarde, srta Ji. Veio falar com a sra. Baek?
– Sim, Dr. Cho e aproveitei para falar com sua filha. Acho que o senhor precisa ficar atento às contas do Instagram que sua filha tem acompanhado. Há um insta da escola que eu não indicaria para sua filha. Eles fizeram péssimos comentários sobre Saruto Maike.
– Entendo. Mas se eu tirar o celular de Na Ra, creio que ela ficará muito aborrecida. Ela já está muito brava comigo por tê-la proibido de ir à escola. O que acha que eu deveria fazer, Srta. Ji?
Han Kio ficou boquiaberta. Ele estava pedindo conselhos a ela sobre uma garotinha de seis anos mesmo? Ela nunca tivera um filho. Nem mesmo um cachorrinho por pensar que não seria capaz de cria-lo sem deixá-lo morrer de fome em casa sozinho. Entretanto, entendia a ansiedade do Dr. Cho. Ele parecia realmente amar a filha e querer o melhor para ela.
– Eu falei para ela deixar de seguir o insta da escola. Acho que ela fará isso, então, por enquanto, não há necessidade de tirar o celular dela. Mas de qualquer forma o senhor precisa ficar atento. Ainda que ela fique brava com o senhor, é para o bem dela e espero que seja apenas temporário, até conseguirmos pegar esse maníaco psicopata – que bem poderia ser você… pensou Han Kio, achando melhor não falar o que se passava em sua cabeça.
Se bem que estava pouco a pouco mudando o conceito que tinha do Dr. Cho. A princípio, ele parecia um maníaco organizado, germofóbico, manipulador. Mas agora, vendo o carinho que ele tinha pela filha, achava que ele não era o psicopata que parecia.
Psicopatas não possuem empatia… nem mesmo pelos seus filhos.
Não era raro psicopatas se casarem e terem filhos. Ainda assim, muitos fazem isso apenas para terem uma fachada.
Por isso, não poderia descartar de vez o doutor psicopata.