Capítulo 4 – Mentira
Quando a limusine parou em frente à escola, Ah-Lis hesitou. Vestia um vestido elegante, mas não tão exagerado quanto o que sua irmã usara no dia anterior. Entretanto, alguns de seus alunos poderiam reconhecê-la.
“Bem, se me reconhecerem, direi que sou Liz-Ah, irmã gêmea de Ah-Lis”, pensou Ah-Lis, estufando o peito para tomar coragem. Era só mais um fingimento numa coleção sem fim de mentira. Uma vez ela teve que fingir ser uma princesa em uma peça de teatro no orfanato. Foi um desastre. Ela não conseguiu fazer o papel. Até o ponto que a irmã teve que a substituir por uma menina. Ela simplesmente não conseguia lidar com mentira.
Ela sempre teve problemas com isso.
Por isso, ressoluta, saiu da limusine, cruzou o pátio dianteiro da escola, onde dois meninos brincavam e entrou na escola pelo corredor principal.
Por sorte, estava completamente vazio.
Nesse horário, os alunos e professores deveriam estar nas salas de aula.
Quando escutou um barulho de conversas atrás de si, apertou o passo e entrou em sua sala. Levou um susto. Sua irmã, vestida com uma saia curta que Ah-Lis nunca vira antes, estava lendo uma revista com os pés sobre a sua mesa.
– Liz?
Liz-Ah automaticamente desceu os pés e olhou incrédula para Ah-Lis.
– O que diabos você está fazendo aqui? – falou Liz num tom muito diferente do que ela usara durante todo o dia anterior.
– Bem… – Ah-Lis hesitou por uns segundos. – Eu vim destrocar com você. Não posso mais fingir ser alguém que não sou.
– Você não pode fazer isso… não agora! – falou Liz, retornando ao tom suplicante e suave. – Por favor, Ah-Lis. Você precisa me ajudar.
– Eu não posso fazer isso. E-e você… disse uma mentira pra mim. – falou Ah-Lis, morrendo por ter que enfrentar a irmã daquele jeito. Ela era o tipo de pessoa covarde, dizia a si mesma, não era capaz de enfrentar uma mosca sequer. – Sua amiga Lisa deu-me a entender que é você quem tem um caso e seu marido, que é muito assustador por sinal, deu-me a entender que você não se interesse pelo próprio filho.
Liz-Ah ficou ali a observar Ah-Lis.
De que maneira ela poderia enganar a irmã? Deveria ser alguma história triste que pudesse ludibriar a irmã tão tola e tão ingênua por um lado e idealizadora por outro.
– Você não sabe de nada, minha irmã… ah!, se soubesse! – falou Liz-Ah e fingiu lágrimas nos olhos. – Minha vida virou de ponta a pé desde que meu filhinho nasceu. Não sabe o quanto sinto ter me afastado do meu bebê, mas eu precisei, Ah-Lis. Deus me ajude, eu precisei me afastar do próprio filho…
A essa altura, Liz, que sempre tinha uma certa dificuldade em produzir lágrimas, cruzou os braços sobre a mesa e apoiou a cabeça sobre eles. Fingia soluçar e chorar e esperava estar convencendo Ah-Lis.
– Oh, por favor, pare de chorar, Liz. Por favor, eu peço desculpas por ter falado isso, mas você não havia me contado nada… sinto muito. – falou Ah-Lis, aproximando-se para fazer carinho nos cabelos sedosos e brilhantes de sua irmã – por favor, conte-me o que está acontecendo… sem mais mentira.
Liz-Ah fingiu enxugar lágrimas que não existiam e levantou um pouco a cabeça.
– A verdade é que eu tive um caso, sim. Com um homem terrível, um homem maldito. Ele me forçou, Ah-Lis. E ficou fazendo ameaças, dizendo que contaria tudo a Tae Gun. Por fim, concordei em manter um relacionamento com ele. Eu tenho crises terríveis de labirintite e fui a esse médico que é um brilhante otorrinolaringologista, o Dr. Sun Doo Yo, que se tornou o médico da família. Ele parecia ser bom e atencioso, no início, mas se tornou um homem abominável depois. O problema, Ah-Lis, é que fui ingênua demais. Engravidei e a dúvida consumiu a minha alma. Eu fiz o teste de DNA no meu bebê e tive a mais triste notícia de minha vida: o bebê não é de Tae Gun…
– Oh, meu Deus, Liz-Ah, porque não contou a Tae Gun desde o início…
– Por favor, Ah-Lis… se você falou com meu marido, deve ter percebido que ele não é do tipo de homem que perdoa, nem que esquece. E é por isso que eu pedi para trocar com você. Meu casamento está acabado. Mas a verdade é que eu amo Tae Gun. Eu preciso de mais tempo. Eu preciso de tempo para pensar, porque se eu resolver dizer a Tae Gun, não haverá mais volta e se eu resolver não dizer nada a Tae Gun, então terei que continuar o meu caso com Sun Doo Yo e também não quero mais isso. Não percebe o quão difícil é a decisão que preciso tomar? Não percebe que depois dessa decisão, eu estarei para sempre presa numa situação indesejável de uma forma ou de outra?
– Sim, irmã… eu entendo. E compreendo. Eu mesmo casada a dez anos com um homem que me machuca constantemente, desejo ter coragem todos os dias para enfrentar essa situação, mas o medo é a pior coisa que existe no mundo. Gostaria de dizer que no seu lugar, diria a verdade a Tae Gun, mas se estivesse no seu lugar mesmo, eu também não saberia o que fazer. Eu entendo tudo isso, mas não posso continuar… Não consigo… ser você… não dá… todos estão desconfiados. E vão acabar descobrindo.
– Esta vendo isso, irmã? Olhe bem! – disse Liz de repente, mostrando uma grande mancha roxa no antebraço. Eram as marcas de dedo de Tae Hoon.
– Foi Tae Hoon, não foi? Por que você ainda quer manter essa troca, se sabe que meu marido pode machucar você?
– Você chegou aqui me acusando de contar uma mentira… mas que tal você, Ah Lis? Eu sei muito bem que não importa o que você faça, meu marido jamais me machucaria como o seu.
– Não entendi…
– Você ganha muito mais com essa troca do que eu. Ontem a noite, seu marido tentou me levar para a cama, mas desmaiou no sofá antes de acontecer qualquer coisa. Eu apliquei doses cavalares do meu calmante em todas as cervejas daquele maldito. Eu devo ficar bem, mas estou correndo riscos. Enquanto isso, você está em uma casa maravilhosa, com um marido que pode ser assustador, mas é um cavalheiro e jamais tocaria em um só fio de cabeça seu. Então, você é que está contando uma mentira pra mim dizendo que você não quer essa troca tão desesperadamente quanto eu.
– Ok, não posso negar. Eu realmente tive uma noite de descanso e de uma paz que há muito tempo não conhecia. Mas não sou o tipo de pessoa que sabe lidar com mentira… não posso mentir para sua família assim. Isso acaba agora…
– Não… não… você não pode fazer isso, não agora…
– Então me diga a verdade: porque eu estou no seu lugar… por que você prefere o risco de sofrer abuso sexual a ficar com sua família? Diga a verdade!
Que verdade Liz poderia dizer?, pensou ela enquanto olhava para o rosto igual ao seu na sua frente. A verdade é que alguém quer me matar!, pensou ela em dizer. Poderia dizer isso? No mesmo instante, Ah-Lis iria trocar de lugar com ela. Mas não poderia mais dizer mentira para Ah-Lis. Então, teria que dizer uma meia-verdade.
– Por que… por que eu tentei matar Tae Gun… Eu tentei matá-lo. Eu coloquei veneno no copo dele. Mas ele não bebeu porque eu me arrependi a tempo.
– Meu Deus, Liz…
– Juro que eu amei Tae Gun com toda a minha alma. Mas ele me sufoca. Ele é um homem viril e excitante na cama, mas fora dela, ele quer uma família. Uma família certinha e eu… eu quero o mundo, irmã… quero fazer amor em cada lugar que eu visitar e quero amantes que me levem nas alturas durante a noite, mas quero amanhacer com a minha cama vazia, sem nenhum homem para me prender…
Liz… isso não é justo com ele. Você precisa lhe dizer isso…
– É isso o que eu quero… e eu tenho o direito de ser livre. Então, vou pedir o divórcio. Quanto a isso, eu já sei… mas eu preciso de tempo para conseguir sair do inferno que é meu casamento… tempo para resolver legalmente, sem que Tae Gun ou minha mãe saibam. Por que minha mãe… ela vai surtar quando souber o que eu estou aprontando. Meu advogado irá preparar tudo em uma semana. Só mais uma semana… é tudo o que eu peço.
– Eu entendo, mas e o bebê? Por que se afastou dele? Pode não ser filho de Tae Gun, mas é seu filho…
– Ah-Lis, eu amo aquele bebê. Mas cada vez que me aproximava dele, eu via o fantasma de Sun Doo Yo nos traços do meu doce menino. Eu me afastei sangrando por dentro. Mas depois de eu voltar, depois de tiver enfim decidido, eu juro a você, que meu filho não sairá do meu lado. E vou dar todo o amor que não pude dar-lhe nesses seis meses da vida daquele bebê. Ele é uma das razões pela qual eu preciso de tempo. Eu sei que Tae Gun irá brigar pela guarda de Tae Ji, então preciso ter tudo preparado para conseguir lutar por ele, entendeu… entendeu Ah-Lis? Aquela família não será mais a minha. Minha família será apenas você e meu filho. Entendeu?
Ah-Lis suspirou e, enternecida pela situação da irmã, abraçou-a.
Liz-Ah, às costas de Ah-Lis, teve vontade de rir. Enfim, convencera a irmã. Ela não precisaria saber a verdade, mas seria bom que Sun Doo Yo não cruzasse com ela. Não que não fosse parte verdade o que ela dissera. Sun Doo Yo era mesmo um homem terrível, mas era o homem da sua vida. Quanto a dar veneno a Tae Gun, também era verdade. Felizmente, ela resolveu não seguir com o plano, pois estaria presa agora. Ao invés disso, seu plano era o mais simples possível. Colocar sua irmã no seu lugar e assistir o show até que quem a quisesse morta finalmente agisse.
– Tem certeza que não consegue reatar com Tae Gun? Você é jovem e quer curtir a vida agora, mas pode se arrepender mais tarde…
– Eu sei disso… por isso, o prazo de uma semana será bem vindo para que eu coloque minha cabeça no lugar e tenha certeza do que irei fazer a seguir.
– Sim. Pense bem a respeito. Talvez ainda haja esperança para vocês dois. Afinal, ele é seu marido. E parece ser um bom pai para seu filho.
– Eu sei disso… mas é preciso que um de nós dois mude para que possamos ficar juntos…
– Entendo… talvez o tempo que você esteja afastado dele sirva para que vocês possam reatar no futuro. Mas se realmente quiser deixar dele, vou te apoiar de qualquer maneira.
– Quem sabe, irmã… quem sabe…
Meia hora depois, Ah-Lis abriu a limusine e entrou no automóvel.
– Mudou de ideia? – perguntou Raul, visivelmente curioso.
– Minha irmã esclareceu algumas coisas. Vou continuar no seu papel por uma semana mais. Mas como soube que era eu e não Liz-Ah?
– Seu olhar, senhora… seu olhar é diferente…
Raul sorriu e olhou para escola, sabendo que em algum lugar daquele prédio estava Liz. Ele era fiel a ela, sempre seria. Mas a verdade era que ele sabia coisas demais a respeito de sua empregadora para não distingui-la daquela pobre criatura que era Ah-Lis.
De fato, Ah Lis não conseguia contar nem mesmo uma mentira com os olhos.