Filhos do Mal – Capítulo 8 – Confiança
Han Kio foi para casa depois de dias trabalhando. Embora conseguisse dormir de boa no sofá da Delega e tomar banho no banheiro da academia que ficava no primeiro piso, ainda assim, não poderia descansar completamente a não ser em seu pequeno apartamento.
O apartamento não ficava muito distante da Delega, mas era um pouco longe para ir a pé.
Assim que chegou ao apartamento, percebeu que havia uma grande quantidade de cartas jogadas na entrada.
O garoto do correio tinha a preocupação de empurrar as cartas pela fresta da porta para dentro. Ela não ficava muito tempo no apartamento, por isso, sempre que chegava tinha uma porção de envelopes que precisava olhar.
A maioria era de cobranças ou propaganda, mas naquele dia, havia um envelope pardo que chamou a sua atenção, pois parecia que pingos de sangue haviam caído sobre ele.
Ela abriu a carta rapidamente para ver o conteúdo.
Assim que viu do que se tratava, sentiu uma forte dor em seu estômago e uma golfada de vômito voltou pela sua garganta.
Trêmula, deixou a carta cair no chão, enquanto corria para o banheiro.
Vomitou tanto quanto seu corpo pode aguentar.
Depois pegou um pano molhado e limpou o hall de entrada de seu apartamento.
A carta ainda jazia ali jogada no chão.
Nela, a foto de seu pai a olhava com aquele olhar maldoso e carregado de ódio que ele sempre teve.
Do lado da foto, uma folha compunha uma carta, com letras recordadas de um jornal:
“Você é uma filha do mal e também deve morrer”.
Depois de limpar todo o vômito que regurgitava no seu lindo assoalho novo, que pagou uma fortuna para aplicar, resolveu colocar a carta, a foto do seu pai e o envelope pingado de sangue em um saco transparente de evidências.
Poderia ser apenas um familiar de uma das vítimas do seu pai, mas achava que o timing era impecável para não ter relação nenhuma com o psicopata da lua cheia.
Talvez não tivesse relação nenhuma, mas não conseguia deixar de pensar que Cho Na Ra era neta de um psicopata e também era uma ‘filha do mal’. Se não se enganava, duas das vítimas do psicopata da lua cheia também eram descendentes de pessoas que foram condenadas por assassinato.
Será que era um padrão? Um padrão que ela não havia percebido antes?
Ainda surpresa com a ameaça que recebera, resolveu discar para Min-O que atendeu imediatamente.
– Ainda brava comigo? – perguntou Min-O.
– Está na Delega?
– Tô sim, terminando um relatório. – respondeu Min-O.
– Preciso que faça um favor pra mim, er… chefe. – falou ela, lembrando de adicionar o ‘chefe’ já que agora ele era o chefe dela. – Investigue os pais ou avós das vítimas do psicopata da lua cheia.
– Já investigamos… quase todos tem álibis.
– Não… não isso. Investigue se eles possuem antecedentes. Se foram acusados de assassinato ou algum crime.
– Sei que dois pais das vítimas já foram condenados por assassinato. Você acha que é um padrão?
– Talvez sim…
– O que te fez pensar isso? – perguntou Min-O, levemente desconfiado.
– Estou indo pra aí… vou te explicar pessoalmente.
Min-O sabia do seu passado. Sabia que seu pai fora condenado por homicídio também. Mas não sabia dos detalhes.
Olhou para a sua cama antes de sair novamente. Estava muito cansada. Trabalhara como um cavalo nos últimos dias, dormira muito pouco e só comera porcaria.
Daria tudo por uma noite bem dormida em sua cama e uma refeição saudável para variar, mas tinha que resolver aquilo logo.
Precisava dar o envelope para o Sam Joon analisar. Aqueles pingos de sangue poderiam ser de alguma vítima. Se isso se comprovasse, então, o psicopata sabia quem era ela. Mas aquilo poderia ser uma importante guinada nas investigações. Talvez alguma conexão com as vítimas do seu pai.
Desceu as escadas do apartamento para ganhar tempo e estava quase entrando no seu carro quando seu celular vibrou. Na tela, estava escrito: médico psicopata.
– Dr. Cho? Por que está me ligando a essa hora? – já devia ser uma hora da madrugada.
– Na Ra sumiu. Vimos nas câmeras de segurança que ela saiu de casa escondida. Tinha um carro branco esperando por ela ali fora. Por isso, preciso de você.
– Estou indo pra aí….
– Não… não venha pra cá. Eu coloquei um localizador na mochila da minha filha. Vou te mandar um link da localização dela. Estou indo pra lá… preciso que você venha também.
– Certo…- respondeu ela, um pouco insegura.
Aquilo cheirava muito mal. Talvez fosse uma isca para ela. Mas não poderia simplesmente ignorar, já que se tratava da segurança de uma garotinha.
Ligou o carro assim que recebeu a localização e discou novamente para Min-O.
– Min-O… Cho Na Ra foi supostamente sequestrada. Estou indo investigar. O pai instalou um GPS na mochila da filha, vou atrás da localização.
– Espere, Han Kio… isso parece uma armadilha… manda a localização que vou mandar algumas viaturas para lá.
– Estou te mandando agora… mas vou na frente… estou mais perto.
– Espere os reforços.
– Sim, chefe…
Já ia quase desligando o celular quando ouviu a voz de Min-o:
– Espere, Kio. Acho que você estava certa. Das doze vítimas, 10 eram descendentes de pessoas condenadas. Não só por assassinato. Dois eram pedófilos. E parece que o pai da Saruto Maike foi suspeito de um assassinato no Japão, mas não foi condenado, pois tinha imunidade diplomática.
– Que droga! Como não vimos esse padrão antes?
– A pergunta é: como você descobriu?
– Acho que o psicopata me mandou uma ameaça por correio.
– Han Kio… isso faz de você…
– Não serei uma vítima, Min-O. Mas o importante é acharmos Na Ra agora… Depois nos preocupamos comigo.
– Estou mandando três viaturas. Não faça nenhuma estupidez antes de chegarem os reforços, por favor, Han Kio… Você pode me odiar, mas eu gosto de você pra caramba… caralho…
Han Kio desligou o telefone para acompanhar o ponto vermelho no mapa localizador que o link do Dr. Cho abriu no seu celular.
Ela andava a uma alta velocidade, mas resolveu não ligar as sirenes portáteis que tinha no seu velho carro. Era melhor pegar o desgraçado na surpresa.
Foi acompanhando o ponto vermelho na medida em que ele se afastava, mas, em determinado ponto, ele parou.
Han Kio pegou uma estrada sinuosa, escura e sinistra no meio de um grande matagal. A medida que avançava, os sinais de vida também se afastavam. Tinha a certeza de que estava fora de Incheon quando viu ao longe um grande armazém.
Quando estacionou, viu que havia dois carros: um carro branco, como o Dr. Cho havia mencionado e um luxuoso carro prata que ela imaginava pertencer ao médico psicopata.
Ela entrou no armazém que estava completamente abandonado, cheio de pó, teia de aranha e caixas de papelão jogadas para todo o lado. Era um grande galpão aberto, mas havia uma escada que dava para o segundo piso, onde via uma luz bruxuleante, provavelmente da lanterna do celular do Dr. Cho.
Ela subiu vagarosamente, tentando fazer silêncio, apesar de o ferro dos degraus da escada velha não a ajudarem muito.
Numa sala, que parecia ser a antiga parte administrativa do armazém, viu o Dr. Jack Cho bem no centro, observando um quadro.
– Dr. Cho? – falou Han Kio, em sussurro – Onde está Na Ra?
– Não sei onde está minha filha – respondeu ele, visivelmente afetado. – contudo a mochila dela está jogada ali, mas não há sinal de Na Ra, nem do psicopata.
Han Kio aproximou-se da mochila da menina, onde o Dr. Cho havia indicado. A mochila tinha um diário, o celular da garota e uma pequena boneca tipo Barbie. Acoplado no bolso pequeno, havia um pequeno dispositivo que era o localizador GPS. Provavelmente, o psicopata da lua cheia havia percebido o dispositivo.
Rapidamente, Han Kio discou o celular novamente para Min-O.
– Min-o… mande as viaturas fecharem todas as saídas da localização atual do GPS. Acho que o psicopata percebeu o dispositivo de localização e jogou a mochila aqui, antes de fugir.
– Certo.. chefe… ah… quero dizer… Han Kio.
Só então Han Kio levantou-se para observar o quadro que o Dr. Cho tanto analisava.
Iluminando com a lanterna do celular, viu que havia as fotos de todas as vítimas do psicopata da lua cheia. Mas, acima da foto das vítimas, havia também a foto do pai de todas elas.
No lado, escrito com letras recortadas de jornal, havia o crime pelo qual eles haviam sido indiciados: homicídio, pedofilia, atropelamento e fuga e assim por diante.
Ali estava o padrão que ela só agora conseguia ver: o psicopata procurava os filhos de pessoas que haviam cometido crimes sérios.
– Olhe bem, aqui, Srta. Ji.
O Dr. Cho apontava para o final da fileira de vítimas. Havia ainda mais vítimas do que ela ou a polícia supunham. Por último, havia três fotos: o de Saruto Maike, com a foto do embaixador acima dela. A foto de Cho Na Ra, com a foto do pai do Dr. Cho acima dela e, por último, a foto de Han Kio. Acima dela, aparecia a foto do seu pai, com as acusações do lado: estupro, homicídio, pedofilia.
Sem conseguir se controlar, Han Kio caiu sobre os próprios joelhos. Passava mal. Tinha vontade de vomitar novamente. Estava trêmula e sua respiração falhava. Estava tendo um ataque de pânico. Como os muitos que tivera durante sua infância cada vez que seu pai chegava em casa.
– Você está bem? – perguntou o Dr. Cho, ajoelhando-se ao seu lado, envolvendo-a com braços acolhedores. – Eu preciso de você para achar minha filha…. por favor, se recomponha… Acho que o psicopata está atrás de você também, mas precisamos achar minha filha…
Talvez o psicopata seja você, pensou Han Kio, olhando para ele. Era muita coincidência ela ter sido trazida para aquele lugar.
– Por que você quis que eu observasse o quadro? – perguntou ela, desconfiada.
– Eu acho que o psicopata deixou essas pistas para você… para te ameaçar. Pra dizer que vai te pegar.
Era exatamente o que ela também achava. Mas era muito estranho.
– Por que o senhor veio sozinho a este lugar? Por que não trouxe os seus seguranças?
– Meus seguranças são uns inúteis que deixaram minha filha escapar diante de seus olhos. De qualquer forma, eu estava contando com você. Sabia que você viria e traria reforços.
– É melhor descermos… os policiais estão chegando. – disse ela, ao escutar as sirenes das viaturas se aproximando.
Quando ela estava prestes a descer pela escada, algo inusitado aconteceu. O ferro do último degrau cedeu e ela caiu com estrondo. Por sorte, conseguiu se segurar com uma das mãos.
Olhou para baixo. A queda seria bem feia. Eram muitos metros de altura. E lá embaixo haviam escombros de ferro e madeira. Se caísse ali, poderia se machucar muito, talvez até morrer.
– Socorro! – gritou ela e logo o Dr. Cho apareceu do seu lado.
– Me dá a sua mão. – falou ele, estendendo-lhe um dos braços. Ela estendeu a mão e o agarrou.
– Solte a sua mão de apoio para eu te puxar… – disse ele, apontando para a mão que ela segurava no outro degrau da escada.
Se ela soltasse aquela mão, estaria unicamente dependente do Dr. Cho. Poderia confiar nele para que ele a salvasse? Será que aquele não era o plano dele, desde o início? Ninguém desconfiaria dele se ele dissesse que ela caiu em um acidente. Mas sabia que precisava da ajuda dele ou não conseguiria sobreviver.
– Srta. Ji… por favor, confie em mim. Eu não vou conseguir segurar você por muito tempo. Solte a mão para que eu consiga te puxar.
Han Kio não queria fazer isso. Não era do tipo que confiava. Era do tipo que desconfiava. De tudo e de todos. Era a herança que ganhara do seu pai.
Entretanto, enquanto ainda analisava a situação, a mão simplesmente escapou.
Ficou pendurada somente pelo braço do Dr. Cho.
– Por favor, não me deixe cair… – implorou ela, congelada pelo medo, sem saber se poderia realmente confiar nele.
Mas, para sua surpresa, o Dr. Cho começou a puxá-la para cima. Quando estava quase em cima, ele a puxou com toda a força, caindo para trás.
Então, com o impulso, ela foi trazida para cima e caiu sobre ele. Ela ficou por alguns segundos ali, deitada sobre os peitos largos do Dr. Cho, apenas escutando as batidas de seu coração.
– Achei que morreria… – disse ela, tentando se controlar. – Obrigada!
– Me agradeça achando minha filha, Srta. Ji. Por favor, encontre minha Na Ra.