Capítulo 17 – Fuga do Mercado Ancião
Yumi havia novamente saído da sala da anciã Na Ri. Não só ela, mas Dadá também. Parecia que a anciã queria falar à sós com Joon Ki.
Ela ainda pensava sobre a sugestão da anciã de fazer um ritual de união entre Yumi e Joon Ki para que ele adquirisse parte do seu poder.
Tudo aquilo pareceu uma ideia muito estúpida a princípio, mas parecia ficar cada vez mais interessante cada vez que pensava sobre ela.
Yumi não queria morrer e também não sabia exatamente o que fazer. Seu destino parecia muito injusto ao pensar que ela iria morrer de qualquer forma: ganhando ou perdendo uma batalha. Então para que lutar de qualquer forma? Era seu destino, sua responsabilidade. Era uma resposta sim, mas muito crua. Ela queria viver. Ela queria muito viver.
Então, dividir, ainda que um pouquinho, essa responsabilidade, parecia um certo alento. Poderia ser injusto com Joon Ki, mas ele era um Xamã, ele estava acostumado com aquele tipo de vida; já ela, não. Ele se preparou para aqui toda uma vida; já ela, assustava-se com o mundo que se apresentava para ela.
Dadá, ao seu lado, aguardando sentada no alpendre, ao lado de onde o leitor musculozão e careca guardava a entrada da casa de Na Ri, dava muxoxos. Claramente, Dadá não havia concordado com aquela ideia.
– Você acha que é uma boa ideia fazer o ritual de casamento? – perguntou Yumi, embora fosse óbvia a resposta de Dadá.
– Acho uma estupidez. – falou a irritada, mal-humorada, mas sincera irmã de Joon Ki. – Além do mais, não se pode confiar nessa velha idiota.
– Não deveria falar assim de sua mãe! – reclamou o careca, a quem Joon Ki chamara de “Leitor”.
– Mãe? – perguntou Yumi. – A velha Na Ri é sua mãe? Biológica ou é só forma de dizer?
– Na Ri já teve muitos amantes. Meu pai foi apenas mais um. – respondeu Dadá.
– E Joon Ki? É filho dela também? – perguntou Yumi, ainda mais curiosa.
– Não. A mãe do Joon Ki morreu quando ele era bem pequeno. O pai veio fazer uma audiência com Na Ri. Ela sempre dá ideia de fazer rituais de “acasalamento”. Na minha opinião, ela é uma vadia…
– Não fale assim de sua mãe! – reclamou novamente o fiel leitor.
– Ah, cale a boca! – falou Dadá, mal humorada – Além do mais, ela não é minha mãe, de verdade. Ela me entregou pro meu pai, no dia em que eu nasci. E anos mais tarde, transou com meu irmão. Com Joon Ki. Isso é doentio! Praticamente incesto!
– Foi um ritual. E isso ajudou o mestre Joon Ki a ter clarividência. – explicou o grandão leitor – Sua mãe é muito poderosa. E rituais de acasalamento podem ser tão poderosos quanto outros rituais… você sabe disso, pequena Dadá!
– Sei disso muito bem. A velha tentou me vender para que um alemão fizesse um ritual comigo! Só não fui levada por malditos bruxos europeus, por que Joon Ki descobriu os planos de Na Ri a tempo.
– Ela fez isso com você? – perguntou Yumi, sentindo pena da garota. Ela não gostava muito de Dadá. Achava a irmã de Joon Ki mal-humorada e chatinha demais, mas não poderia imaginar que a garota tivera uma vida difícil por conta de uma mãe como Na Ri.
Yumi teve uma vida muito comum, até conhecer Joon Ki, mas se havia uma coisa que ela tinha era a memória de sua mãe.
Ela não sabia exatamente quem era seu pai e nunca perguntava à mãe, pois sua mãe chorava sempre que ela fazia essa pergunta. Entretanto, sua mãe sempre foi sua melhor amiga. Poderia contar tudo a ela. Seus segredos, seus sonhos, seus planos para o futuro.
Quando a mãe morreu, seu mundo, entretanto, caiu por terra.
Ela surtou e passou muito tempo viciada em remédios psicotrópicos e antidepressivos para aguentar a falta que sua mãe fazia em sua vida.
O que diria sua mãe de tudo o que acontecia agora? Ela estava melhor psicologicamente falando, mas ainda estava abalada demais com toda aquela história de arcana e não sabia se seria forte o suficiente para ser o que Joon Ki e Dadá esperavam que ela fosse.
Depois de mais alguns minutos, Joon Ki saiu da sala de Na Ri com o semblante sério e preocupado. Seu lábio estava cortado e havia uma mancha de batom vermelho, em sua orelha. O que havia acontecido? Teria ele beijado ou feito algo mais com a bruxa Na Ri?
– Tudo bem? – perguntou Dadá – O que ela fez dessa vez?
– Não sei se podemos confiar em Na Ri novamente! – falou Joon Ki, olhando ao redor, para as ruas do mercado ancião – Mas a ideia do ritual parece interessante. Assim que chegarmos em casa, quero que convoque todos os eruditos para estudarmos sobre isso.
– Você não pode estar falando sério! E se acontecer alguma coisa a você enquanto estiverem bem… juntos… da outra vez, você quase morreu só em provar do sangue da Arcana. O que vai acontecer se…
– Dadá… precisamos tentar. Dividir o poder entre duas almas pode ser a solução para Yumi. Não é justo que ela seja destruída! Ela é diferente de nós. Somos humanos. Ainda que a gente morra, temos uma alma que pode até ir para os reinos superiores. Mas a Arcana simplesmente desaparece. Ela só tem essa vida, precisamos lutar para que ela possa viver um pouco mais…
Aquilo era bigorna no estômago de Yumi, mas ela permaneceu calada.
– E como transar com ela, pode mudar esse destino, me diga? – replicou Dadá, tirando as palavras da boca de Yumi.
– Se dividirmos o poder e conseguirmos usá-lo para derrotar os demônios, talvez nós possamos sobreviver. E se sobrevivermos, a alma de Yumi também pode sobreviver, não é…? – perguntou ele, esperançoso.
– E se vocês dois morrerem? – perguntou Dadá. – E se você for destruído pela Arcana, ao invés de ajudá-la?
– Eu estou preparado para morrer. Mas se isso der alguma chance para Yumi e pra nós, eu preciso tentar.
– Mestre Joon Ki, o senhor deve se apressar. Estou sentindo uma estranha vibração vindo nesta direção – falou o grandalhão leitor.
– Vamos, precisamos ir…
Joon Ki cobriu a cabeça de Yumi com o capuz, envolveu-a em um abraço e a guiou pelas vielas do mercado ancião em direção aos cinco portais.
Entretanto, quando pegaram uma rua principal, perceberam que o caminho para os cinco portais estava sendo obstruído pelos demônios vestidos de japoneses que Yumi havia visto antes.
Diante deles, um dos demônios sorriu abrindo a boca pútrida numa gargalhada estranha.
– Saiam da frente! – gritou Joon Ki, ao mesmo tempo que se colocava na frente de Yumi – O mercado ancião é um território neutro.
– Se a Arcana está aqui, não é mais um território neutro! – disse o assustador demônio ninja.
Ao falar a palavra Arcana, uma sequência de comoção aconteceu nas vielas do mercado, pois as pessoas se assustaram e correram para outro lado. Já outras criaturas estranhas se aproximaram pela retaguarda como curiosos. Os três estavam cercados.
Joon Ki tirou de dentro do paletó, a adaga que um dia Yumi o viu empunhar para assassinar Elborn.
Agora, ela sabia que a adaga era uma das relíquias das quais ele falava. A adaga se alongou transformando-se numa espada.
Mas a magia não parou por ali, pois a lâmina foi envolvida em uma névoa brilhante de energia. Com maestria e agilidade, Joon Ki atacou o demônio a sua frente.
A lâmina da espada liberou uma grande energia, cortando e empurrando as criaturas que queriam atacá-lo.
Dadá não ficou parada também. Ela tirou do pulso uma pulseira que se alongou em um chicote brilhante. Ela girou no seu próprio corpo para desferir com o chicote uma grande massa de energia contra aqueles que estavam atacando-os.
Yumi não soube o que fazer. Mas lembrou-se dos ensinamentos de Dadá e incendiou as próprias mãos. Estava escuro e a luz foi fraca e tremeluzente. Tentou desferir um golpe contra um dos demônios que estava perto dela, mas a luz bateu contra o fortificado peito da criatura como um inseto bate contra um muro: ela era realmente débil e fraca em uma luta de criaturas mágicas.
Por sorte, Joon Ki e Dadá eram mais hábeis do que ela e abriram o caminho até um dos portais.
Assim que passaram pela porta, saindo naquela cordilheira edílica, Joon Ki cerrou a porta atrás de si.
Em seguida, disse palavras que Yumi não compreendeu.
Depois disso, ele espalmou contra a madeira, e uma luz iluminou as fendas da porta, silenciando-a imediatamente.
– Você selou o portal? – perguntou Dadá, com aqueles olhos azuis estranhos – Na Ri vai ficar furiosa com você!
– Dane-se Na Ri! Acho que foi ela quem alertou os demônios de que Yumi era a Arcana. – replicou Joon Ki.
– Você acha que ela nos trairia? – perguntou Dadá. Ela parecia dividida. No fundo, Na Ri era sua mãe.
– Ela já traiu a Arcana antes, porque não trairia agora? – perguntou Joon Ki, olhando intensamente para Dadá. – Eu sinto muito, Dadá… sei que ela é sua mãe, mas Na Ri não é…
– Confiável! – completou Dadá, franzindo o cenho – Eu sei. Na verdade, eu sempre disse isso a você, mas mesmo Na Ri sabe da importância da Arcana. Sabe que sem a Arcana, podemos ver o fim do mundo… tipo… o fim de tudo… acabou…
– Na Ri tem muito poder com os demônios. Talvez eles tenham oferecido alguma coisa para ela. Ser uma rainha no inferno talvez seja melhor do que ser uma alma inferior nos céus.
– Aquela vadia jamais iria pro céu… – falou Dadá, mas seus olhos brilhavam como se ela quisesse chorar.
– Maninha… eu não deveria ter te pedido para vir junto conosco… – disse Joon Ki, abraçando a irmã com carinho e ternura.
Aquela cena era algo que Yumi não esperava ver de Joon Ki. Ela estava cada vez mais surpresa com ele.