Capítulo 7 – Regras
Joon Mi foi diagnosticada com Síndrome de Asperger quando tinha apenas 3 anos. Seu pai percebeu que ela era diferente das outras crianças, pois, ao contrário das outras, ficava sozinha a maior parte do tempo, entretida em olhar seus livrinhos.
Seu grau era pequeno e a neurologista e o psiquiatra que lhe deram o diagnóstico disseram que ela poderia ter uma vida normal.
Joon Mi adorava ficar quieta em um canto, lendo livros. Se alguém a tocasse, ela simplesmente surtava. Ninguém poderia tocá-la ou falar alto demais na sua presença.
Com muita terapia e autoconhecimento, Joon Mi conseguiu aprender algumas habilidades sociais. Conseguia até mesmo abraçar e beijar alguém se fosse realmente necessário, como no dia do aniversário de seu pai ou alguém importante.
Ela também conseguiu reduzir os movimentos repetitivos que fazia com a mão. Mas quando ficava nervosa, tinha o hábito de ficar tocando a ponta de sua orelha direita repetidamente.
Na escola, ela tinha uma professora auxiliar só para ela, que seu pai contratou para a acompanhar.
A professora a livrou de sofrer bullying muitas vezes, pois ela tinha um certo problema com regras. Se visse alguém sair da sala sem pedir, ou se visse um aluno jogar papel de bala no chão, ou se visse qualquer outra coisa que não fosse permitida, ela tinha o péssimo hábito de querer corrigir a outra pessoa.
O problema é que crianças e adolescentes não gostam de pessoas assim.
Então, é claro, ela não era querida pelos amigos. E se eles tivessem a oportunidade, com certeza, fariam algo contra ela, como a vez em que jogaram um balde de água e sabão sobre ela, enquanto ela descia as escadas. Isso fez com que ela escorregasse e quebrasse o braço.
Ou como da vez em que três garotas deram uma surra nela no banheiro. Por sorte, a professora aparecia quase sempre, impedindo a situação de ficar muito pior.
Por mais que a professora a ajudasse, ela não conseguiu ter nenhuma relação de afeto com ela. E quando seu pai disse que não pagaria mais a professora, ela simplesmente disse “tudo bem” e voltou a ler o seu livro.
O ensino médio, então, foi o inferno na terra para Joon Mi, pois o bullying e a violência verbal e física eram constantes contra ela, sem que ela entendesse muito bem o porquê. Em sua mente, ela estava fazendo o que era certo. Obedecia às regras da escola e os outros deveriam obedecer também.
Por sofrer muito no Ensino Médio, seu pai concordou que ela fizesse uma prova para ser admitida diretamente na faculdade, sem precisar terminar os dois últimos anos.
Ela era inteligente. Muito inteligente. Portadores de Asperger quase sempre são acima da média.
O que lhe faltava em habilidades sociais, sobrava-lhe em foco e determinação para os estudos.
Fez direito, como seu pai, que ficou muito orgulhoso da própria filha. Ela teve um pouco de dificuldade no início, por não conseguir ter tanto trejeito social, mas logo compensava isso com seu amplo conhecimento.
Trabalhou os primeiros anos escrevendo projetos de lei na promotoria, mas logo foi convidada a advogar.
Logo, sua fama como promotora implacável se espalhou. Embora não fosse muito eloquente, parecia se transformar quando tinha uma causa. Encurralava os criminosos de tal forma que era quase impossível se livrarem de uma pena rigorosa.
Em compensação, arrumou uma longa lista de inimigos: policiais desonestos ou incompetentes, criminosos violentos e até colegas de trabalho.
Ela não se incomodava com nada disso. Talvez não reparasse, embora seu pai lhe dissesse com frequência para não ser tão intransigente.
De qualquer forma, ela estava feliz com sua vida, pois conseguiu a independência que queria. Trabalhava com afinco, comprou um apartamento e vivia sua vida quase normalmente. Claro, ainda fazia terapia duas vezes por semana e visitava seu pai com frequência.
Tudo era perfeito para ela, até tudo aquilo acontecer.
E agora, como se estivesse no Ensino Médio, lá estava ela, no banheiro feminino, prestes a levar uma surra de outras três mulheres.
– Você quer apanhar, garota? Quem você pensa que é???
Joon Mi encarava a mulher sem entender direito porque elas estavam tão bravas com ela. Havia um grande letreiro na porta do banheiro feminino:
– O banho deve ser de apenas 3 minutos;
– Use o medidor de shampoo apenas uma vez para evitar desperdício;
– Evite utilizar o secador de cabelo.
Era tudo muito claro, mas uma das mulheres já estava a mais de 10 minutos com o chuveiro ligado. A outra, já repetira três vezes a medida do shampoo e a terceira usava o secador de cabelo. Tudo o que ela fez foi fechar a torneira da primeira, tirar o shampo da segunda e tirar o secador da tomada da terceira. E agora as três, ao invés de agradecê-la, haviam-na empurrado contra a parede e estavam prestes a bater nela.
– Vocês não cumpriram as regras. – esclareceu ela, simplesmente, esperando que isso bastante para que elas compreendessem.
– Você acha que faz as regras aqui?
– Você acabou de chegar garota…
– Bate na cara dessa fulana!!!
Joon Mi estava branca, pois não queria apanhar. Já havia apanhado naquela dia. Seu estomago ainda reclamava. Tinha as manchas rochas para lhe avisar de que não poderia apanhar novamente.
– Joon Mi! – escutou a voz vibrante e profunda de Oh Nam lhe chamando do lado de fora do banheiro – Você está aí, meu amor???
– Oh Na… er… Ji Kang… estou aqui… por favor, me ajude!
As mulheres que a estavam encurralando se separaram imediatamente, deixando Joon Mi sair. Ela enrolou uma toalha no corpo e saiu assim mesmo, toda molhada, para fora.
– Eu escutei vozes alteradas… o que estava acontecendo ali dentro? – perguntou ele, parecendo preocupado.
– Eu não sei direito. Acho que as mulheres que estão ali não gostam de mim.
– E você saiu assim? Onde está a sua roupa? Você vai ficar resfriada… – Disse ele, tirando o casaco para cobrir seus ombros nus.
– As mulheres colocaram minha roupa dentro da privada. – explicou ela. De fato, foi a primeira coisa que elas fizeram. Uma delas, chegou a rasgar sua blusa antes de a jogar dentro da privada.
– Tudo bem… já entregaram nossas malas no quarto. Venha vestir outra coisa.
Ela se sentiu enrusbecida de ficar assim na frente dele, e ainda mais enrusbecida de passar daquela forma na frente dos outros homens que estavam no galpão. Por sorte, o casaco de Oh Nam era bem comprido e ele a abraçou, mantendo-a protegida em seus braços.
– Princesa… você precisa controlar esse seu jeito de querer corrigir os outros… regras nem sempre devem ser seguidas – falou Oh Nam, sorrindo, assim que entraram no quarto. – Vista-se… desceremos logo para o jantar.
Oh Nam se virou para que ela conseguisse de trocar, vestindo uma calça e uma blusa que Oh Nam havia conseguido na casa que ocuparam por alguns dias.
No jantar, a situação de Joo Mi não foi muito diferente para ela. As pessoas olhavam feio, principalmente as poucas mulheres que haviam ali, pois provavelmente, as que estava no banheiro haviam contado o que aconteceu.
Joo Mi sentou-se ao lado de Oh Nam e ficou com a cabeça abaixada, conforme ele lhe dissera, cochichando em seu ouvido.
O galpão era dividido em alguns corredores. Haviam 4 corredores com mesas grudadas umas às outras, como um grande refeitório. Porém, havia uma mesa redonda, à frente de todas as outras, onde estavam Geum Dal, Jan Da e outros homens, provavelmente os líderes de JinJu.
Em certo momento, Oh Nam foi chamado àquela mesa, onde ficou durante muitos minutos. Em alguns momentos, eles olhavam em direção à ela, por isso, ele sabia que ela era o motivo da discussão entre eles.
Entretanto, Oh Nam parecia muito tranquilo e sorria de vez em quando. Quase no fim do jantar, ele se levantou, curvou-se para os demais membros da mesa e retornou ao seu lugar, ao lado dela.
– Por que te chamaram lá? – perguntou ela, curiosa, pois sabia que ela havia sido citada.
– Conversamos no quarto, amor – disse ele, indicando com a cabeça que havia curiosos à sua volta.
Isso era verdade. Parecia que todos em Jinju estavam curiosos com os recém-chegados.
Depois do jantar, as pessoas saíram para seus lugares demarcados para descanso. Grande parte dos homens permaneceram no térreo, onde havia colchões dispostos no chão. E os casais subiram as escadas para o segundo piso. Joo Mi estava um pouco nervosa, pois sabia que teria que passar uma noite ao lado de Oh Nam, no mesmo colchão, a centímetros de distância, mas era melhor do que ficar a mercê de outro homem que mal conhecia. Pelo menos, ele lhe dissera que não tinha nenhuma intenção de ter intimidade com ela.
– E então, vai me dizer o que falou com Geum Dal? – perguntou ela, curiosa, assim que entraram no quarto.
– Eles querem expulsar você! – disse ele, com seriedade.
– O que?
– É… – confirmou ele, abrindo um sorriso debochado – o que é um pouco irônico. Querem expulsar você que é uma promotora e não a mim, que sou um condenado. As mulheres reclamaram de você… disseram que você é esquisita e que não querem você aqui.
– Sério isso? Não tô acreditando… – disse ela, pasma, boquiaberta, observando Oh Nam arrumar o colchão, o lençol e o edredom onde iriam dormir. – Para onde eu vou se me expulsarem??? Isso não é justo… elas é que não obedeceram às regras… Não posso ser expulsa sem poder me defender. Qualquer sociedade permite que uma pessoa possa se defender das acusações, principalmente, porque não fui eu que quebrei as regras do banheiro. Não entendo porque é que querem expulsar a mim?
– Não se preocupe, princesa. Eu falei que você está em choque por causa do que aconteceu na estrada e que está um pouco sensível por causa da gravidez, não vão expulsar você.
– Eu não estou grávida! O que vai acontecer quando descobrirem que não estou grávida?
– Fale baixo, amor… – disse ele, olhando para as finas paredes de fórmica. – E não se preocupe… sempre podemos fingir um aborto. As pessoas são mais solidárias com mulheres grávidas. Foi só os lembrar de que você estava grávida que eles já mudaram o discurso. Porque eu estava pensando que seríamos expulsos ainda hoje. É só não ficar tão obsecada com as regras.
– Eles querem ME expulsar. Não você!
– Não vou deixar você sozinha, amor. – falou ele, com um sorriso. Joo Mi sentiu-se grata por aquilo. Por mais estranho que fosse, ela se sentiria mais segura com ele, do que se estivesse sozinha lá fora. – Nós fizemos um acordo… já te falei que sou um assassino com um código de honra… e eu honro muito os meus acordos. Mas vamos esperar que não nos expulsem. É só dar um tempo e evitar confrontar as outras pessoas aqui, por um tempo, ainda que você pense que isso não seja justo, entendeu, princesa? Agora, vamos dormir… o dia foi muito cansativo.
Oh Nam deitou-se no colchão, mas deixou um bom espaço para ela. Assim que ela se deitou ao lado dele, ele a cobriu gentilmente. Pareceria até um cavalheiro se ela não o conhecesse.
Ela estava um pouco ruborizada com aquela situação, mas para sua sorte, ele se virou par ao outro lado, dando-lhe as costas. Ela o observou por algum tempo. Suas costas eram largas e ela podia ver que ele tinha uma respiração regular. O que estaria pensando ele? Será que ele dormiria tão fácil assim ao lado dela?
Ela não conseguiu conciliar o sono assim tão facilmente. Tinha medo dele, mas tinha ainda mais medo de ser expulsa. Conviver com pessoas nunca foi seu forte. Nunca imaginou que dependeria de um psicopata para conseguir se ajustar nessa sociedade que não seguia suas próprias regras. Gostaria de ter seu pai para poder conversar. Ele, com certeza, saberia lhe dizer o que fazer naquela situação.