Capítulo 22 – A lista
Irene não foi trabalhar no mercado, mas foi direto para o salão. Estava louca para contar a novidade para a amiga, por isso, correu para ver Íris.
Chegou afobada, suada e exausta. Havia corrido do ponto do ônibus até o local. Assim, entrou num auê! Falando alto e agitando. Mas calou assim que viu Íris com uma cliente.
Sorte que era dona Zaine, senhora simpática, educada, reservada e meio surda. Não era uma dessas fofoqueiras do bairro. Às duas sorriram quando a viram.
Íris já sabia que se tratava. Os olhos brilharam de curiosidade. Irene comentou.
— Não se preocupa! Eu espero!
— Mas falta pouco para começar no mercado! Eu vou demorar mais meia hora para terminar!
— Liguei avisando que irei faltar. Dona Maria sabe da situação do aluguel por isso não se importou. E como não é a semana de pagamento. O mercado fica devagar, quase parando. – Irene pegou uma revista para passar o tempo, e se sentou mais perto delas.
Em seguida, Íris continuou a conversar com a cliente.
– Quer dizer que hoje é um dia especial!? – perguntou a dona Zaine.
– Sim, vai alguém do serviço do meu neto jantar lá em casa. Minha filha está quase louca preparando tudo! Ele pediu para assar uma vitela! Deve ser alguém importante! É ele que vai pagar o teu serviço! Minha filha como falei, vem as 18 h. Eu e ela tudo por conta dele!
— Sair da rotina é bom! Deve ser alguém muito importante! Faz tempo que ele trabalha naquela empresa!? Já pensou se é um superior?! Um jantar para comemorar um promoção de cargo?!
— O Orlando é muito aplicado! É o segundo empego dele. Ano passado subiu de cargo. Mudou para outro departamento. Não sei se é uma promoção desta vez!
— Já pensou dona Zaine, o Orlando num cargo de chefia? – perguntou Íris, curiosa.
— Seria muito bom! Assim poderia pensar em casar!
— Quantos anos ele têm mesmo? – a curiosidade de Iris a denunciou. Irene percebeu de cara o interesse da amiga no Orlando.
— Mês passado fez 35 anos.
— É, já está na hora de casar mesmo! – continou Íris.
— Desde que começou a trabalhar, só pensa em juntar dinheiro. Os carros que ele teve até agora, comprou com dinheiro do seu próprio bolso, pois nunca o pai ajudou! Sempre foi caprichoso e econômico! Ao contrário da irmã, que gasta tudo que ganha!
— É um bom rapaz, vai achar alguém logo! Com todas essas qualidades!
— Nunca namorou sério! Na escola teve só duas paquerinhas, que não deram em nada! – explicava a Dona Zaine. – Todos esses anos, nunca falou em namorada! Espero que arrume alguém que combine com ele. Senão, vai por água baixo o casamento. A mulher tem que ser muito certinha e econômica.
— Mas, está difícil achar alguém para casar dona Zaine! A moda agora é apenas ficar! Eu, dona Zaine, estou sozinha! Também sou uma pessoa econômica. Saio pouco! Só trabalho! Raramente saio, e se saio é só com amigos de muitas décadas pois muitos deles estão casados!
A conversa continuava animada, Íris se gabando do seu esforço no salão. Contava suas qualidades e se insinuava ser uma mulher muito econômica. Muito parecida com o neto da dona Zaine, mas Irene sabia que era uma mentira deslavada.
Irene parou de ler e baixou a revista. Olhava para a amiga inconformada, pensou. ” Quem ela quer enganar!? ”
Irene fez amizade com Íris há 7 anos atrás. Na escola de Estética, Irene fazia o curso de manicure (o mais barato oferecido pela escola) e na sala ao lado, Íris fazia o de cabeleireira profissional.
Já fizera o básico, anos antes junto como o Victor. Elas já se conheciam do mercado, mas nunca conversaram. Descobriram logo que moravam perto.
Então Irene passou a pegar carona com Íris, assim que ela lhe ofereceu. A conversa no trajeto, era sempre a mesma, Íris reclamava da dificuldade de manter o salão. Em troca da carona, Irene ofereceu sua ajuda na contabilidade do salão.
Com tudo organizado, as coisas começaram a fluir, e com a documentação em dia, os impostos deixaram de ser um bicho de sete cabeças.
Irene continuou ouvindo a conversa entre as duas sem se meter. Todavia, se ela estava falando tudo aquilo, deveria ter um propósito.
Mesmo achando um absurdo o que ouvia. Pois uma coisa, sabia: que Íris era uma compradora compulsiva! Até fez terapia. Melhorou um pouco mas a crise no salão era justamente, pelo fato de gastar mais que do que tinha.
Misturava tudo! Os documentos todos amontoados, parecendo uma salada mista! Não podia ver uma bolsa ou um par de sapatos! Comprava tudo!
Mesmo depois da terapia, Íris ainda tinha fome por compras.
E quando tem uma recaída! Deus nos acuda! Mais tarde fica lamentando os gastos. Atualmente virou pechincheira pois chora para ganhar desconto em tudo.
Minutos antes de terminar, dona Zaine ligou para a filha. Não passou muito tempo, e a senhora Catarina estava na porta para buscar sua mãe.
— Bom dia? Como ficou a madame! Nossa mãe! A Íris caprichou pois a senhora está parecendo 10 anos mais nova! – dona Zaine ficou radiante com o elogio. Se olhava no espelho vaidosa.
— Ficou mesmo Catarina!?
— Sim! Vai fazer um sucesso no jantar! – se aproximou e pergunta para Íris.
— Quanto custou esse penteado?
— Tudo, ficou por R$250,00.
— Eu venho as 18 h! Pago tudo hoje.
— Nossa! Toda essa produção tem um motivo especial? Por acaso, o Orlando teve uma promoção na empresa?! – perguntou Íris, com uma voz melindrosa.
— Uma promoção seria muito bom! Mas o motivo é outro! Em primeiro lugar, hoje vamos conhecer a família da noiva dele!
— Ele tem noiva!? Desde quando o Orlando tem noiva? Nem sabia que ele namorava!? – perguntou Íris, visivelmente aborrecida.
— Também foi uma surpresa para nós! Por 6 meses, paquerou uma colega de trabalho! E hoje eles vão noivar! Já se viu uma coisa dessa? Noivar sem ter apresentado a moça antes para a família!? Na casa dela, ele já foi! Mas não foi, capaz de trazer ela na nossa! Só por ser mais rica que nós! Vergonha da família! Por isso está pagando o seu serviço. Pra gente não parecer pé rapados perto dos sogros!
— Essa eu não esperava do Orlando!- Íris ficou confusa e abalada com a notícia.
— Nem eu, Íris! Pensei que ele teria consideração! Seis meses, e não apresentou a garota por vergonha da família! Mas vou indo! Tenho muita o que fazer, para o banquete da nobre família! A família da minha futura nora! – dona Catarina falou com orgulho e desdenho. Em seguida, mãe e filha, saíram do salão, cuidando para descer a escada.
Como dona Zaine era meio surda, não sabia ao certo o que estava acontecendo.
Íris, abalada, foi até uma armarinho do salão. Abriu a porta, a qual sempre está trancada a chave. Então, pegou uma caixa de madeira e abriu o cadeado. Da caixa tirou um caderno que mais parecia um diário.
Em seguida, foi até o pequeno balcão, passou a mão na caneta, e começou folhear até achar a página que queria. Riscou várias vezes uma linha. Enquanto fazia isso, resmungava um monte. Falando consigo mesma.
— Como pode!? Perdi mais um candidato da minha lista!
Irene curiosa, foi até o balcão e olhou por cima do ombro direito da amiga, onde viu que ela riscava um nome, em uma lista.
Era uma lista intitulada “Possível Futuro Marido”, e onde estava escrito, nomes de vários homens solteiros do bairro. Alguns já estavam até riscados.
— O que significa essa lista?
Íris sem se tocar, responde revelando o seu segredo.
— É a minha lista de possíveis maridos, pois aqui tenho os nomes dos meus possíveis pretendentes a casamento.
Irene agora havia se tocado da ‘lista’ que a cartomante havia comentado.
— Meu Deus! Até o filho do turco está nela!? Quer passar fome? A dona Maria é magra, porque o Turco regula até a comida em casa! – falou Irene, achando tudo aquilo muito engraçado.
— O Demir não se compara com o pai! E assim, pelo menos, vou ser uma mulher elegante!
— Para quê tanta elegância, se for para viver enfurnada no mercado? Raramente eles saem a passeio! Ela e a filha compram comida, roupa e calçado às escondidas, sabia?
— Posso fazer o mesmo! Assim, foi conseguir controlar minhas compulsões por compra.
— O Demir até passa! Mas o Encrenca e o Tranqueira!? Aí já é demais!? Não tem coisa melhor nessa lista não. Assim você nunca vai desencalhar.
— Porque você está se metendo!? Nem era, para você estar lendo isso!
Em seguida, Íris fechou o caderno e ficou de cara emburrada.