Capítulo 4 – O Conselho
Ha Na olhava assustada para Dr. Park como se ele lhe tivesse feito algo horrível. E Park In não entendia aquela reação. Ele havia acabado de dizer que estava pensando em dar-lhe alta. Se fosse outro paciente, com certeza, estaria implorando para aquilo acontecer logo.
– Não escutou o que eu lhe disse, Há Na? – perguntou Park In, curioso.
– Sim, que o senhor me dará alta. – falou ela, num tom de voz etéreo e quase inaudível. Diferente do primeiro dia em que se falaram. Agora Ha Na estava grudada no vidro blindado, com aquele olhar triste e doce, ao mesmo tempo.
– Bem, ainda existe alguns passos para isso, mas, em suma, é isso. Não fica feliz em saber que pode sair daqui e voltar a convívio social…?
– O senhor já falou com o conselho deliberativo do hospital? Eles disseram que o senhor poderia me dar alta? – perguntou Ha Na, enquanto piscava rapidamente.
“É só nervosismo ou ela está me escondendo algo?”, pensava Park In. E como ela sabe sobre o “Conselho Deliberativo”?
– O médico psiquiatra tem autonomia na alta do seu paciente. Por que o Conselho Deliberativo não aprovaria a sua? – perguntou Park In, estranhando ainda mais o comportamento de sua paciente.
Ha Na olhou para cima e para a esquerda. Park In acompanhou o seu olhar. Ela estava olhando direto para a câmera de segurança. Parecia desconfiada de algo.
– Você sabe se eles também têm acesso ao áudio? Eles conseguem escutar o que nós falamos? – perguntou ela, arregalando os olhos.
Park In franziu o cenho. Até então, Ha Na não deu nenhum indício de sofrer de delírio persecutório, como fez ao desconfiar do Conselho Deliberativo do Instituto. Isso poderia indicar outro diagnóstico?
– Não tem ninguém nos ouvindo, Ha Na. Eles apenas têm acesso a imagem. – respondeu Park In – Pode me responder?
– Doutor… eu agradeço tudo o que o senhor tem feito por mim. Com certeza, foi o melhor diretor para mim. As regalias que eu ganhei com certeza fizeram a minha vida muito mais suportável. Só que vai ser muito difícil eles deixarem o senhor me dar alta. Eles não querem que eu saia daqui.
– Você realmente pensa isso, ou só está tentando dar uma desculpa para um medo interior de sair desse instituto depois de tanto tempo?
– Uhm… eu realmente tenho medo de sair daqui. Não vou mentir. Mas a verdade é que eu enfrentaria meu medo e sairia daqui se eu pudesse.
Park In havia gostado daquela sua conversa com Ha Na. Seria muito bom para ela ver o mundo lá fora.
Obviamente ela teria que ser monitorada para conseguir se adaptar depois de tanto tempo dentro daquela sala isolada, mas seria muito bom para ela. Apesar de demonstrar um certo delírio persecutório ao desconfiar de estarem monitorando o que ela falava, não havia nada que o convencesse a não lhe dar alta. Entretanto, Park In descobriria que não seria assim tão fácil.
– Ei, Dr. Hong – falou a secretária Ah Ri, antes mesmo de Park In entrar em sua sala. – Parece que o Conselho Deliberativo se reuniu às pressas no auditório. Estão chamando o senhor agora mesmo.
– A mim? Agora? – perguntou Park In, desconfiado. Justamente naquele dia em que Ha Na havia mencionado o conselho deliberativo. Seria coincidência?
Quando Park In entrou no auditório, descobriu que os membros do conselho deliberativo eram também os líderes da cidade de Kitha:
- o prefeito Lee Dong Park,
- o delegado Baek Tae Ho,
- o dono da imprensa local Park Ji Hong,
- dois donos de indústrias: Lee Sae Jin, Hong Lee Sae,
- o diretor do hospital, Baek Dee Sun,
- e uma mulher, Lee Ji Na, uma ilustre socialite que era conhecida por ser uma exímia filantropa, fazendo eventos socias para ajudar os mais pobres.
– Bom dia, Dr. Hong – Iniciou o prefeito Lee Dong Park. – Desculpe estar interrompendo seu trabalho.
– Bom Dia. Confesso que estou surpreso. Pensei que o primeiro relatório seria apenas em três meses, mas obviamente, eu posso reportar todas as ações que foram feitas em JiHan.
– Estamos cientes de suas ações. As mudanças foram promissoras. Temos certeza que a curto, médio e longo prazo, todas as suas ações trarão um benefício incalculável para JiHan, mas não é sobre isso que gostaríamos de falar.
Os membros do conselho se entreolharam. Park In sabia exatamente o que era.
– Nós soubemos que a família da paciente Gil Há Na não irá mais financiar a permanência dela em Ji Han.
– Sim, sobre isso, ainda estou analisando, mas creio que a melhor alternativa seja dar alta à paciente. Pelo que eu tenho observado, ela pode ser reinserida na sociedade, com monitoração, é claro.
Novamente, os membros se entreolharam.
– Não há necessidade dessa antecipação, Dr. Hong. De qualquer forma, o Conselho irá se responsabilizar pelas despesas dessa paciente de agora em diante. E estamos dispostos a dar um incentivo maior para que o senhor continue a fazer suas ações.
– Um incentivo? Como um suborno, é isso? – perguntou Park In, desconfortável com aquela conversa. – Esse suborno é para que eu não dê alta a paciente Há Na? Eu tenho autonomia para dar ou não alta a minha paciente?
– Não de acordo com o nosso estatuto, Dr. Hong. – disse a mulher Lee Ji Na, passando um extenso documento a Park In. – Estamos cientes de que em todo instituto, é o médico psiquiatra que detém toda a autonomia de tratamento de seus pacientes, mas o caso de Ha Na é muito específico. Quando a garota veio para cá, a cidade toda estava apavorada com todas as coisas que falaram sobre ela. Podem ser crendices, mas o conselho da época resolveu colocar uma cláusula no estatuto de Jihan em que o Conselho Deliberativo detém a soberania sobre o tratamento da paciente Gil Há Na. Se o senhor quiser ler, está na página 13, artigo 32.
Park In abriu imediatamente o estatuto. De fato, estava lá. O nome de Ha Na estava em negrito e em letras capitais. Para que isso? Por que o Conselho Deliberativo exigiu a autonomia no caso dela? De certa forma, as ideações persecutórias de Ha Na tinham sentido. Provavelmente, ela sabia dessa cláusula.
– Ok, eu entendi. O Conselho Deliberativo é quem dará a última palavra no tratamento de Ha Na. Posso saber por que a alta da paciente não pode ser uma opção?
– Dr. Hong. O senhor acabou de chegar. Não sabe das coisas que acontecem aqui em JiHan. – falou o prefeito.
– Ah, por favor, não menosprezem minha inteligência.
– Querendo ou não, Dr. Hong, a garota vai ficar onde está! – sentenciou o delegado de forma truculenta, batendo com o punho fechado na mesa.
– Sejamos corteses – retrucou Ji Na, olhando feio para o delegado. – Seria muito importante para nós, que o senhor aceitasse a nossa orientação. Com o tempo, o senhor perceberá por si mesmo, que Ha Na está segura onde está e ninguém mais será afetado com isso.
– Então, vocês também acreditam nos supostos poderes malignos de Ha Na. Ah, por favor… será que eu voltei para era medieval e ninguém me avisou?
– Mesmo não acreditando, o senhor vai ver logo, logo, do que aquela garota é capaz! – falou o delegado de forma debochada.
– Está certo. Por hora, vou aceitar a orientação deste Conselho. Mas se eu perceber que essa menina está sofrendo qualquer tipo de preconceito ou tortura psicológica com o tratamento dela, eu, pessoalmente, irei denunciar essa instituição para o Conselho Médico Nacional.
Park In saiu da reunião bufando e pisando firme.
– Dr. Hong. O diretor da penitenciária de Seul está no telefone. – falou Ah Ri, a secretária, assim que ele pisou na direção.
– Certo, passa para a minha sala. E, Ah Ri, Imprima uma cópia do estatuto de Ji Han. Eu preciso ler.
O diretor da Penitenciária era um antigo conhecido de Park In. Ele havia enviado muitos presos que foram condenados a cumprir sua sentença em um instituto psiquiátrico para Park In quando este estava em Seul. Agora, o diretor queria lhe enviar um paciente com psicopatia grave para Ji Han, pois os instituto de Seul não tinha mais vagas. De acordo com diretor da Penitenciária, ele havia matado TODOS os seus companheiros de cela. Por isso, foi condenado a ficar isolado em um instituto psiquiátrico de Segurança Máxima, pago com os recursos do Estado.
Depois de passar para Ah Ri iniciar o processo de integração do novo paciente, Park In foi a ala C para conversar novamente.
Antes mesmo que ele falasse alguma coisa, Ha Na foi quem disse:
– O Conselho Deliberativo não deixou o senhor me dar alta, não é? – falou Ha Na, enquanto pintava uma das telas.
– Como você sabia?
– Uma vez, o diretor que agora está internado aí no corredor do lado, tentou me transferir para outro hospital. O conselho não deixou.
– Como sabe que o ex-diretor está internado no corredor ao lado? Você está muito longe dele…
– Ele grita todas as noites. Tem pesadelos. Eu reconheceria a voz dele a quilômetros de distância. Eu tenho uma ótima audição.
– Isso faz sentido. – respondeu Park In. – O que não faz sentido é o interesse do Conselho Deliberativo em você, Ha Na. Se você sabe de alguma coisa, deve me dizer.
Novamente, Há Na olhou para a câmera a esquerda do corredor que filmava sua cela.
– Tem certeza de que eles não nos ouvem?
– Tenho certeza, sim. Essa câmera não possui microfone.
Ha Na parecia ponderar antes de começar a falar.
– Foi uma coisa que eu escutei. Foi há dez anos, um pouco depois dos meus pais terem tentado me matar. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu e eu estava desacordada. Parece que uma vizinha escutou vozes e gritos vindos da minha casa e chamaram a polícia. Quando a polícia chegou, eles viram meus pais querendo me matar em um ritual de magia negra. Então, a polícia atirou nos meus pais. Eu acordei dois dias depois no hospital. Eles acharam que eu ainda estava dormindo, mas estava acordada e como eu lhe disse, eu consigo escutar muito bem. O delegado estava lá, no hospital. E eu escutei ele dizendo: “o Conselho quer a garota em Jihan. É perigoso deixar ela aqui fora”.
– Por que? Por que o delegado achava que era perigoso deixar você lá fora? Tem alguém atrás de você, Ha Na?
– Não perigoso para mim, doutor, mas para os outros.
– Você era só uma menininha… como seria perigosa para outros?
Ha Na parecia relutante em falar, mas percebeu que Park In não sairia dali enquanto ela não falasse tudo o que sabia.
– Tem alguém… comigo.. – disse ela, baixando o tom de voz. Park In teve que dar um passo a frente para escutar o que ela dizia. – Tem alguém comigo. O senhor não vai acreditar, mas eu sei que tem alguma coisa em mim. Preso dentro de mim. Eu não sei o que os meus pais fizeram comigo, mas fizeram alguma coisa. Acho que o Conselho tem medo de que… essa coisa… que tem dentro de mim… saia e machuque as pessoas…
– Não pode acreditar nisso, Ha Na.
– Eu gostaria de não acreditar.
– O que leva você a acreditar nisso?
– Eu vejo uma sombra, doutor. Ela… ela… ela aparece sempre no escuro. Mas depois toma forma e se aproxima de mim. Algumas vezes, ela me toca, outras, me arranha, me machuca, doutor… Quando eu disse isso ao outro diretor, ele me mostrou as imagens de vídeo: na câmera eu apareci me arranhando, me mordendo, me machucando… Mas eu não fiz isso. Não é isso que aconteceu. Mas eu acreditei no outro diretor. Achei que eu era só uma maluca que gostava de se torturar. Dias depois, o diretor apareceu aqui. Teve um surto. E eu escuto o que ele grita a noite, doutor. Eu escuto. Ele também vê a sombra…
ParK In sentiu um palpitar estranho em seu coração. A sombra. Ele também viu aquela sombra. Terrores noturnos. Eram só terrores noturnos causados por uma forte sugestão. Só que ele viu a sombra antes de Ha Na contar toda aquela história.
– Ha Na… eu… eu sei que isso são só terrores noturnos, mas… – Uma voz dentro de si, dizia para ficar quieto. Não falou nada ao Dr. Peter, então por que queria confiar um segredo de si mesmo a sua paciente? Desde quando isso era saudável? – Eu… eu também vejo uma sombra…
Ha Na arregalou os olhos, como se tivesse escutado a notícia da morte de um parente querido.
– Se o senhor já está vendo a sombra… fique longe de mim, o mais rápido possível. Mude-se para outra cidade ou outro país… se quiser manter sua sanidade e sua vida.