Angelical – cap 3 – Sombra

Capítulo 3 – Sombra

Park In acordou assustado. Ele gritava e estava ensopado de suor, mesmo no meio de uma noite gélida de outono.

Tivera um pesadelo, um horrível pesadelo como os que costumava ter, desde que chegara a Jihan, há um mês.

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Quando contou a Peter que estava sofrendo com terrores noturnos, o dignóstico do colega de profissão foi rápido:

– A culpa é da HaNa. Começa com pesadelos e piora muito… muito mesmo.

Park In riu sarcasticamente do amigo, mas agora na penumbra de seu quarto, sentindo o terror invadir lhe os poros da pele, sabia que não era algo para ignorar.

Talvez estivesse sofrendo com EPT – Estresse pós-traumático – de uma maneira mais dramática do que o comum, o que era totalmente compreensível já que perdera sua esposa In Na de forma tão abrupta.

O problema é que os pesadelos estavam piorando gradativamente, como Peter previra e naquela noite, foi absolutamente devastador.

Ele olhou para o mostrador do relógio digital que havia em seu criado mudo: eram 3 horas da madrugada.

Foi então que teve a tenebrosa sensação de que ele não era o único presente do quarto.

Olhou ao redor, sem se movimentar demais na cama. Talvez pelo terror que sentia.

Seu corpo ficou estático, enquanto as órbitas dos seus olhos radiografavam todo o quarto. Não parecia ter ninguém. Estava vazio. Só poderia estar vazio! Quem é que estaria em seu quarto naquela hora da noite?

Entretanto…

Uma coisa estanha chamou sua atenção no canto mais escuro do quarto: Era apenas uma sombra, uma sombra e nada mais.

E, no entanto, a sombra tinha a silhueta de uma pessoa em pé.

Não era a sombra de uma menina mirrada e mal nutrida como HaNa. Era a sombra de um homem, ou de algo que parecesse um homem musculoso e disforme: os braços estranhamente mais compridos do que o normal, quase chegando aos joelhos. E parecia haver alguma coisa na cabeça, alguma coisa que lembrava chifres, como se a cabeça da sombra fosse a de um touro.

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O que poderia estar causando aquela sombra? Não havia mais ninguém no quarto. Nada que gerasse aquela forma tão peculiar. Mas a sombra estava lá. Pregada na parede, imóvel, como se também o observasse.

Ele tentou se mover. Bastaria-lhe estenter o braço direito em direção ao abajur do criado mudo à direita de sua cama. Se a luz iluminasse a sombra e a penumbra se dissipasse, seu medo infundado também desapareceria.

Contudo, quando não conseguiu mover seu braço, nem qualquer outra parte do corpo e percebeu que alguma coisa muito errada acontecia com ele.

Era Paralisia do Sono, diagnosticou ele.

Era isso. Paralisia do Sono. A incapacidade de poder se mover ao acordar. Era algo que acometia algumas pessoas. Ele até mesmo tratara um paciente em Seul com esse problema. Um ansiolítico foi o suficiente para que o paciente pudesse dormir melhor e parar de manifestar esses sintomas.

Tratar uma pessoa com esse problema e ter o problema eram muito diferentes, porque enquanto tentava racionalizar sobre tudo o que estava acontecendo, ele percebeu a estranha sombra se mover.

Ela agigantou-se na parede, como se se aproximasse dele. E um sussurro gutural cortou o silêncio sepulcral de seu quarto.

É só uma alucinação, Park In, só isso – disse a si mesmo, tentando respirar e voltar a ter o controle do próprio corpo.

Antes que a sombra chegasse perto de si, ele conseguiu sair daquele terrível estado, estendeu a mão e ligou a luz do abajur.

A sombra se desvaneceu diante dele, como quem atira poeira ao vento. Como se sua matéria fosse apenas de areia.

– É só uma alucinação! – disse em voz alta, como quem espanta um cachorro sarnento.

Algumas horas mais tarde…

– Vi que você recebeu o material que eu mandei. – falou Park In, observando sua paciente mais curiosa.

Já fazia um mês que a vida de Há Na havia mudado completamente. Agora, ela tinha sua cela limpa uma vez por dia quando os lençóis e as roupas eram trocadas. Ela também ganhara uma cortina blecaute para tomar banho e usar a toilete com privacidade.

Além de tudo, na cela, havia agora uma nova escrivaninha, telas e tintas para pintura.

E todos os dias, novos materiais para pintura e desenho chegavam.

– Obrigada, Doutor! Eu gostei muito disso – disse ela, dando uma volta com o lápis B6 pelos dedos. Era óbvio, pois suas mãos já estavam sujas de grafite e ela já havia desenhado uma tela e detinha-se em pintá-la.

– Posso ver o que você desenhou, Há Na? – perguntou ele.

– Ainda não terminei… -respondeu ela, sem tirar os olhos da tela.

Ha Na sempre relutava em mostrar seus trabalhos, o que era realmente uma pena, pois eles poderiam revelar muito sobre o seu estado, mas Park In não insistia. Ha Na se sentia bem na sua presença e precisava daquela confiança para continuar seu trabalho com ela.

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– Pensei que hoje poderíamos sair para dar umas voltas no jardim externo, o que você acha? – perguntou ele, observando atentamente a menina.

Os dedos hábeis de Ha Na pararam por alguns segundos. Ela parecia ponderar sobre a proposta de Park In e em seguida respondeu:

– Estou bem aqui, Doutor, obrigada!

Park In ficou um pouco desapontado.  Imaginou que Ha Na aproveitaria o convite como uma criança ao aceitar um doce, mas ela parecia muito precavida. Talvez estivesse com medo. Algumas pessoas encarceradas na infância apresentavam a Síndrome da Cabana, o medo excessivo e irascível de sair de casa ou da cela, no caso de Ha Na.

Se fosse isso, Park In teria que adicionar ansiolíticos à prescrição de Ha Na que contava com três pílulas de antipsicóticos.

Park In iria rever aquilo em alguns dias. Pelo que percebia de Ha Na, um leve estabilizador de humor já seria suficiente para ajudá-la. Antipsicótico parecia ser um excesso descabido.

Depois de conversar algum tempo com Ha Na, Park In rumou para sua sala.

Passou um bom tempo, nos primeiros dias, apenas organizando os arquivos e prontuários que estavam arquivados ali em sua sala. Agora, já conseguia se encontrar um pouco, sem depender de Peter ou da secretária que parecia mais uma paciente do instituto.

Peter, por outro lado, parecia esquecer que tinha outra sala e entrava quase sempre sem convite em sua sala, deitava-se no sofá como se fosse um divã e ficava horas desfiando fios e mais fios de reclamações.

Peter não concordava com a maioria das mudanças que Park In fizera em JiHan, mas apesar das reclamações, os dois haviam se tornado bons amigos e costumavam almoçar juntos no refeitório dos funcionários.

Os internos tinham um outro refeitório que era pesadamente monitorado, pois era bem comum alguns pacientes jogarem comida uns nos outros.

Ainda assim, jogar comida era bem melhor do que fezes e Ji Han tinha dois internos que tinham esse péssimo hábito. As enfermeiras costumavam reclamar – menos do que Peter – desses costumes tão detestáveis.

– Teve algum pesadelo hoje? Faz dias que você não reclama, Park In  – perguntou Peter, entre a reclamação de costume.

– Não. Estou bem, dormi como uma pedra – mentiu Park In, por alguma razão.

Peter era sempre muito invasivo. Fazia perguntas pessoais que Park In gostaria de evitar. Às vezes, seu colega dava-lhe bons conselhos, mas ele preferiria evitar ter Peter como seu psiquiatra, preferia tê-lo apenas como amigo.

Peter era um bom psiquiatra, pelo que percebia. E tinha insights que outros médicos não tinham, mas ele costumava ser um pouco irrequieto, preconceituoso e exagerado.

Principalmente, com relação a Ha Na.

– Não entendo. – disse Peter, sentando-se no sofá – Já faz um mês que você vê Ha Na todos os dias. Já era para você estar manifestando alguns sintomas de psicose. Outros médicos duraram bem menos. Na verdade, houve uma médica que surtou no mesmo dia. Ela pediu a exoneração e se mudou para longe, sem dizer a ninguém onde ia. Mas ouvi falar que ela teve outros surtos, por isso, se aposentou.

Park In sorriu.

– Nossa, obrigada pelo agouro à minha saúde mental, Peter.

– Não quis dizer isso por mal, mas já era para estar acontecendo alguma coisa. Talvez, o teu ceticismo deve ter te blindado contra os poderes da garota.

– O único poder que Ha Na tem é de desenhar e pintar muito bem. – agulhou ele – No mais, Ha Na é uma garota normal que passou por situações incomuns… só isso.

– Se você diz… de qualquer forma, os problemas com Ha Na vão chegar ao fim.

– O que quer dizer com isso? – perguntou Park In, sem entender nada.

– Olha, ontem, depois que você se saiu, apareceu aqui a advogada da Tia de Ha Na. Era a tia quem pagava o tratamento da garota aqui em JiHan. Ela foi obrigada a pagar o tratamento na justiça até que Ha Na completasse os 18 anos, pois ela herdou a fortuna da mãe de Ha Na, que deveria ser da garota. Só que, agora que Ha Na ficou adulta, ela irá retirar os pagamentos a partir do próximo mês.

– E o que vai acontecer com Ha Na?

– Há somente duas opções: uma é dar alta, o que… Deus me livre – falou Peter – seria o mesmo que soltar o demônio no mundo, a outra é transferir Ha Na para o hospital público de Seul. E nos livramos dela, finalmente, e de uma vez por todas. Você é mesmo um sortudo, Park In. Acabou de chegar e já ganhou um presente desses.

Park In ficou em silêncio por alguns segundos. Enviar Há Na para o hospital psiquiátrico de Seul era fazer uma maldade extrema com ela.

Lá, ela não teria uma cela especial só para ela, nem teria os cuidados que haviam em JiHan.

O hospital psiquiátrico era para pacientes, na sua maioria, surtados que recebiam uma pesada dose de remédios por dia.

Alguns ficavam completamente sedados a maior parte do tempo. A quantidade de médicos é pequena demais para a quantidade de pacientes e como todo mundo está sempre atrasado, alguns pacientes só conversavam com o psiquiatra uma vez por mês.

O cotidiano de um hospital psiquiátrico - YouTube

Num quarto normal, dormiam quase 10 pacientes. E como alguns deles podiam surtar, eles eram atados em suas macas antes de ir dormir e só eram libertados – quando libertados – pela manhã. Muitos até desenvolviam escaras na pele por ficar em uma só posição durante muito tempo. Park In imaginou a delicada pele de Ha Na marcada por terríveis escaras e balançou a cabeça para dissipar aquele pensamento.

– Não vou mandá-la a Seul – disse Park In, em voz alta – Não vou fazer isso com Há Na. Prefiro dar alta.