5 – A Beleza na Alma – Convite

Capítulo 5 – Convite

Um ano depois…

Os primeiros dias na empresa foram terríveis para Anya. Se ela fizesse algo errado, era severamente reprovada e se fizesse algo certo e com rapidez, era também alvo da desconfiança do Dr. Do Jin. Ela aprendeu a fazer as coisas como ele queria e da maneira como ele queria. Ele sabia ser muito duro e recriminador, mas também sabia ser paciente quando ela o procurava pedindo-lhe ajuda.

Ao final do décimo segundo mês, Anya já estava segura de seus compromissos diários e expandia cada vez mais suas responsabilidades na medida em que Do Jin percebia que ela dominava as questões tecnológicas. Sempre que um novo sistema era implantado, ao invés de enviar Karina, como era o costume, era Anya quem fazia os treinamentos agora. E ela era constantemente chamada na sala da Presidência e na Vice-Presidência para resolver os pequenos casos de impasses com os computadores, tablets, ipads, impressoras, data-shows e qualquer outra aparelhagem.

Um dia, Do Jin a chamou na presidência e disse que havia percebido que ela era realmente muito boa com os sistemas e com as diversas tecnologias da empresa e ofereceu a ela o cargo de assistência gerencial de Tecnologia da Informação.

Quando soube que ela teria que trabalhar em outro lugar, distante do Dr. Do Jin, ela recusou, por alguma razão.

Disse que ainda estava aprendendo e que preferia ficar naquele lugar por mais tempo, para continuar seu processo de aprendizagem. Do Jin sorriu enigmaticamente. Parecia ao mesmo tempo decepcionado por ela não ter querido aproveitar uma promoção que ele lhe oferecia e ao mesmo tempo, parecia orgulhoso, porque ela preferiu ficar do seu lado. De qualquer forma, sua decisão na opinião de Anya era um alívio para o presidente que tinha dificuldades em conseguir uma secretária de confiança.

Com o passar do tempo, Anya passou a cuidar da carta de fornecedores, uma lista de empresas que forneciam insumos para a empresa. Ela já comparecera a diversas reuniões e almoços com alguns empresários e apesar de causar um certo apavoramento no minuto em que eles a viam, agora sentia que os fornecedores a respeitavam tanto quanto ao Dr. Do Jin.

Apesar das desconfianças do início, Do Jin aprendeu a confiar nela e lhe dar mais poder dentro da empresa. Agora, ela tinha autoridade para fechar negócios no lugar dele e poucas vezes cometia erros.

Estava agora mesmo terminando um negócio com um dos fornecedores por telefone. Ela estava orgulhosa, pois havia conseguido um desconto muito maior do que no último pedido e havia assegurado a mesma qualidade de produtos. Quando terminou a ligação, viu que Do Jin estava de pé a sua frente e parecia estar angustiado.

– Algum problema, doutor? – perguntou ela. Já o conhecia o suficiente para saber que se tratava de algo sério.

– O que vai fazer amanhã? – perguntou ele, sério.

– Amanhã? Amanhã é sábado, doutor. É claro que se precisar de mim, eu posso vir à empresa – disse ela. Não era a primeira vez que ela trabalhava no sábado. Uma vez, chegou a trabalhar até às dez horas da noite no domingo. Do Jin sempre a levava para casa nessas ocasiões, mas até o momento, ele não a visitara como havia prometido. Aos sábados, Anya fazia um curso de Negócios e Finanças, mas já faltara algumas vezes a pedido do Dr. Jin. Ele, é claro, ajudava-lhe com as tarefas que precisava fazer no curso e muitas vezes a ensinava melhor do que seus professores, por isso, Anya não se importava em cabular algumas aulas para ajudar seu chefe.

– Não. É que amanhã é o casamento de um primo distante, mas eu sou obrigado a ir. O problema é que irá uma prima que eu gostaria de evitar. Minha mãe quer que eu me case com ela e eu não quero. Se eu for sem uma companhia, minha prima e minha mãe vão ficar me aborrecendo o dia inteiro e eu não quero isso. Preciso que você vá comigo, como minha companhia: é um convite.

Anya abriu a boca abismada.

– Não está me pedindo isso. – perguntou ela, abismada.

– É claro que estou. Acaso parece que estou brincando!  – disse ele e realmente parecia angustiado, a beira do desespero.

– Doutor, por favor, o senhor será alvo de chacotas se for comigo. Olhe para mim, doutor, o que as pessoas irão dizer ao vê-lo comigo.

– O que é que tem? – disse ele, irritado. – Só porque tem uma cicatriz em seu rosto, você precisa ser isolada da sociedade como o monstro do Dr. Frankestein? Só me prometa que não vai esmagar a cabeça de alguém que já está tudo certo. – disse ele, fazendo graça.

– Doutor… – disse ela, sorrindo, mas não sabia o que ela poderia dizer para dissuadi-lo daquela ideia. Não só ele iria sofrer, mas ela não queria ser o alvo de olhares reprovadores. As pessoas da Do Jin e das outras empresas com as quais Do Jin tinha negócio já haviam acostumado a vê-la todo dia e já quase não faziam aquela cara de asco. Contudo, os familiares de Do Jin iriam destruí-lo se o vissem com ela, principalmente os dois tios que eram seus inimigos diretos. E, pior, iriam destruir também sua autoestima. – Sua reputação ficará manchada se o virem comigo. Seus tios serão impiedosos.

– Não seja tão dramática, Anya. – disse ele, meio aborrecido – Isso é só um negócio entre nós, não é um encontro romântico. E ninguém tem nada a ver com minha vida pessoal e com quem eu desejo estar… E deixa de me enrolar. Eu não aceito não como resposta. Encare isso como uma ordem. Eu lhe pagarei hora extra, não se preocupe. E muitos parceiros comerciais estarão presentes. Será uma boa forma de socializar com eles.

– Mas…

– Nada de mas… já está decidido!

Do Jin saiu da sala sem dar a chance para que Anya oferecesse alguma resistência. O restante do dia foi um fiasco para ela, ela não conseguia se concentrar nos relatórios e a impressora simplesmente não queria funcionar. Quando o expediente chegou ao fim, agradeceu aos céus, pois aquela situação era enervante demais para ela. Para outras pessoas, aquilo poderia ser algo bom, a oportunidade para uma diversão. Para Anya, no entanto, qualquer encontro social era uma tortura e aquela seria ainda mais, pois deveria ser a companhia de um dos homens mais ricos e importantes do mundo. Como é que ela poderia demonstrar segurança o suficiente para isso?

Anya desceu as escadas desesperada, pois não poderia usar o elevador estando tão agoniada. Suas pernas ferviam quando entrou no Centro Comercial.

Precisava de uma roupa desesperadamente, mas não sabia que tipo de vestimenta comprar. Para comprar os terninhos que agora usava, Anya pensava sempre em Karina, mas que modelo ela iria usar agora para comprar um traje de gala?

Não, aquela era uma tarefa ingrata para ela. Quem sabe pudesse desistir? Acordaria no dia seguinte e diria para o Dr. Do Jin que estava muito doente. Ele ficaria muito decepcionado, mas com certeza daria um jeito de arrumar outra companhia. Era mesmo uma surpresa que ele tenha vindo até ela. Ele era um homem belo, rico, sedutor. Com certeza, poderia ter qualquer mulher ao lado dele. Sim, essa era a verdade. Ele só havia lhe pedido sua companhia, pois não desejava um encontro romântico. Mas ela não poderia ir àquele casamento. Só o que tinha que fazer era ligar para ele amanhã e lhe dizer que havia contraído uma gripe. E tudo estaria resolvido.

Sem comprar nenhum vestido, Anya saiu da loja e depois foi para casa.

– Alô? – perguntou Anya, ao telefone. Era manhã de sábado e somente uma pessoa poderia estar ligando para ela a uma hora dessa. – Dr. Do Jin?

– Sim, sou eu. – respondeu Do Jin, parecendo impaciente.

– Ah, Doutor – Anya tossiu, fingindo ter sua voz embargada – preciso lhe dizer que…

– Abra a porta! – ele ordenou.

– Como é que é? – perguntou ela, sentindo as batidas do seu coração mais velozes.

– Abra sua porta! AGORA!

Anya sentou-se assustada em sua cama. Beth, na cama ao lado, remexera-se com o barulho.

Do Jin havia desligado o telefone. Por isso, Anya pensou por alguns segundos que havia tido algum sonho. O problema é que segundos depois, escutou alguém batendo em sua porta.

Com três passos, Anya chegou à porta de entrada de seu apartamento e o abriu. O Dr. Kim Do Jin, um dos mais importantes empresários do mundo, estava ali, diante dela, no seu humilde apartamento do Burbúrio. Ele parecia alinhado, mesmo às sete da manhã de um sábado e trazia na mão, uma grande caixa branca.

– Doutor… – disse ela, tomando consciência de que, ao contrário dele, ela vestia apenas uma camiseta e uma calcinha. 

Ele também percebeu pois olhava para ela de alto a baixo e sorria.

Envergonhada, ela bateu a porta.

– Vamos, Anya, abra a porta. Agora eu já vi mesmo, não vai fazer diferença. – disse ele.

– Só um minuto, doutor… – disse ela. Ela correu para o armário e enfiou um shorts de qualquer jeito. Depois, ajeitou como pôde sua cama e correu novamente para abrir a porta.

Dessa vez, antes que ela pudesse batê-la contra a cara do Dr. Do Jin, ele avançou e entrou no apartamento. E então, parou, analisando o que havia em sua volta.

Anya encolheu o ombro enquanto ele observava sua morada. Seu apartamento tinha apenas duas áreas.

As camas de Beth e Anya ficavam no canto do principal cômodo que era a cozinha, sala e quarto ao mesmo tempo. O banheiro ficava a parte. Por sorte, ela mantinha o pequeno varal no banheiro. A casa estava mais ou menos organizada, mais ainda assim, havia alguns copos para serem lavados na pia e Beth ainda dormia, roncando de vez em quando.

– Isso é um cortiço! – disse ele, por fim, olhando em volta, detendo-se nas rachaduras do teto, no mofo verde das paredes, nas falhas do piso. – Minha secretária mora num cortiço! Deus do Céu, não tem vergonha de morar aqui?

– Vergonha? – perguntou ela, sentindo-se humilhada. – Esse cortiço é a única coisa que eu posso pagar.

– Com o salário que eu te pago, você poderia estar morando num apartamento do centro, assim como Karina.

Anya baixou a cabeça, sem saber o que dizer.

– Por que não faz isso? Se quiser, podemos ir agora mesmo conseguir um apartamento para você, eu conheço algumas imobiliárias…

– E depois? – disse ela, levantando o rosto e o olhar para ele, num gesto provocativo.

– Depois o que?

– E depois que o senhor me despedir como eu vou sustentar um apartamento no Centro?

– Não estou entendendo? Por que eu te despediria? Depois de um ano como minha secretária, achei que já havia superado essas neuras! – reclamou ele.

– Tenho guardado o meu salário para comprar um lugar melhor.  Mas não posso ter esperanças de que ficarei nesse emprego para sempre. Um dia, o senhor sentirá asco do meu rosto e me mandará embora. E eu ficarei novamente sem emprego e sem dinheiro. Não, doutor, não posso me dar ao luxo de gastar dinheiro sem temer pelo meu futuro.

– Então vai continuar aqui nessa pocilga? Só porque tem complexo de rejeição?

– Sim! – respondeu ela, quase gritando.

– Mesmo que eu desaprove?

– Infelizmente, sim. O senhor é meu chefe no trabalho, mas na minha vida pessoal, mando eu.

Do Jin estreitou os olhos e parecia extremamente irritado. Ela não deveria ter provocado, mas não poderia deixar que ele lhe ditasse onde ela iria morar, só porque era seu chefe.

– Que barulheira é essa? O que que tá acontecendo? – disse Beth, de repente, sentando-se em sua cama com os cabelos amassados.

– Uhnf! – disse Do Jin, com um muxoxo – Aqui nesta caixa estão o vestido, os sapatos e as joias que você deve usar no casamento. A festa é as seis. Eu mandarei uma cabeleireira às quatro. Esteja pronta às cinco! Não vá ao curso hoje, eu lhe ajudarei na semana que vem.

Depois de lhe dar aquela ordem Do Jin abriu a porta e saiu com estrondo, sem dar nenhuma chance à Anya para cancelar aquele compromisso.

– Que inferno!