8 – A beleza da Alma – Ilusão

Durante todo o trajeto que Anya levou para sair da Do Jin, imaginou que a qualquer momento ele lhe alcançaria, mas isso não aconteceu. Talvez ele tenha finalmente percebido que ele havia errado e que o melhor era deixá-la ir.

Naquela noite, Anya resolveu ir de metrô. Não queria ter que esperar num ponto de ônibus caso Do Jin passasse por ali de carro. Caminhou do terminal até o Burbúrio e como veio devagar, só chegou ao seu apartamento quando já era quase nove horas da noite.

Anya sabia que Beth só chegaria mais tarde, porque estava trabalhando numa lanchonete, por isso tinha algum tempo para poder refletir sobre o que havia acontecido.

Ela havia se demitido.

Perdeu o emprego que custou tanto a conseguir, mas agora que pensava melhor, sabia que Do Jin só a contratara porque ela demonstrara desespero.

Do Jin imaginou que seria fácil dominá-la, manipulá-la. Se Anya não fosse orgulhosa, era teria se deixado seduzir por aquele acordo.

Um casamento com um homem rico e poderoso resolveria todos os seus problemas, mas Anya tinha princípios. Princípios que seu pai lhe ensinara e seria muito ingrata a seu pai se fosse assim tão corruptível.

Uma coisa era fingir um namoro de mentira outra coisa era aquele casamento forjado. Se ela concordasse com aquilo, não seria mais digna do que uma prostituta.

Depois de chorar por muito tempo, Anya resolveu lavar o rosto e quando Beth chegou, ela já estava mais calma. Teria que contar a Beth, é claro.

Afinal, a amiga já estava fazendo planos com o salário polpudo que Anya estava ganhando ultimamente e isso agora iria acabar com qualquer sonho que a amiga estava tendo com aquela situação.

Beth falava animadamente sobre o novo emprego de garçonete que ela conseguira, apesar das altas horas de trabalho. Quando Anya abriu a boca para contar sobre a demissão, a sua campainha tocou.

Anya sentiu um arrepio percorrer sua espinha, imaginando que talvez Do Jin tivesse vindo até sua casa, mas quando abriu a porta, o arrepio se transformou em embrulho pois sua mãe, Avana, estava de pé, diante da porta.

– Anya! – disse sua mãe, entrando na casa e dando-lhe um abraço meio forçado. – Que saudades!

Anya olhou de soslaio para a mãe. Esse não era o comportamento que a mãe costumava ter para com ela.

– O que você quer? Por que veio até aqui? – perguntou Anya, rispidamente. – Você nunca vem ao Burbúrio!

– Bem, nada de especial. Apenas vim ver minha menininha. Tanto tempo faz que você saiu de casa e nunca foi me visitar desde então.

– Eu tive motivos, não é, mãe? – disse ela, desanimada. Tudo o que Anya não precisava agora era ter uma conversa com sua mãe. Já não lhe bastava ter perdido o emprego de seus sonhos, ter se decepcionado com seu chefe e ter seu coração estilhaçado em mil pedaços?

– Olá, dona Avana, como é que vai? – disse Beth, se aproximando para cumprimentar sua mãe.

– Beth… – disse a mãe, sem empolgação. Avana nunca gostou de Beth, principalmente porque Beth lhe havia ajudado a sair de casa. – Eu tenho estado muito bem, é claro. Mas quando soube da novidade, fiquei muito decepcionada.

– Que novidade? – perguntou Beth. Anya também estava curiosa, afinal, o seu emprego já não era mais novidade.

– Ora, o presidente da sua empresa, o sr. Kim Do Jin acabou de me ligar pessoalmente me  contando a novidade. Vocês irão se casar daqui a um mês. Anya, você é tão injusta por não ter me contado isso!

– Como é que é? – disse Beth, olhando abismada para Anya.

– Estou vendo que você também não sabia. – agulhou Avana. – Minha filha é mesmo uma ingrata.

– Anya…Isso é verdade? – perguntou Beth, com o olhar preocupado.

Maldito Do Jin, pensou Anya. Ao ter anunciado aquele casamento para sua mãe, ele a colocara numa posição injusta. Ele parecia conhecer Avana Medeiros tão bem quando ela. Sabia que no momento em que Avana soubesse daquilo, ela viria atrás de Anya como urubu em carniça.

Se Anya negasse aquele casamento, sua mãe a humilharia como sempre e a pressionaria para voltar para casa.

Sem emprego, Anya não poderia resistir muito tempo. Um dia, o dinheiro que economizou iria acabar.

Naquele momento, Anya percebeu que estava entre duas raposas: sua mãe Avana e seu chefe Do Jin eram iguais. Os dois eram obcecados por dinheiro, por poder, por dominação e achavam que Anya não era mais do que uma escrava a quem eles poderiam humilhar.

Qual dos dois deveria escolher: Avana ou Do Jin?

Anya abriu a boca, tentando imaginar qual seria a melhor resposta, mas a campainha tocou novamente, antes que ela proferisse aquela sentença.

Avana adiantou-se para atender e quando a porta se abriu, Anya teve a sensação de que o universo estava conspirando contra ela.

– Oh, meu Deus… finalmente poderei conhecer meu futuro genro! – disse a mãe, correndo para abraçar Do Jin que sorriu no mesmo instante, adentrando o pequeno apartamento de Anya e Beth.

– Pelo que vejo, já souberam então do casamento? – perguntou Do Jin, afastando Avana discretamente. – Eu acabei de vir de uma entrevista para uma revista feminina. A notícia do nosso casamento está se espalhando mais depressa do que eu imaginei.

Anya estava sem palavras. Ele falava como se ela tivesse concordado com tudo aquilo. Parecia até animado e com bom humor, enquanto Anya estava ali, com os olhos inchados, querendo dormir até se esquecer de quem era.

– Eu preciso de ar… – disse Anya e passando por Avana, Beth e Do Jin, saiu do apartamento correndo até alcançar a rua. Andou trôpega pela avenida até encontrar uma viela escura, onde sentou-se desolada num banco improvisado com uma lata de lixo virada ao contrário.

– Você precisa aprender a enfrentar seus problemas ao invés de fugir! – disse Do Jin, surgindo no final da viela. Ele se aproximou e se sentou em outra lata de lixo. – Acho que precisamos conversar.

– Eu não sou um objeto que o senhor possa comprar. O senhor me tratou como uma…

– Peço desculpas por isso. Sei que não sou o mais sensível quando o assunto é mulher.

– Quando o senhor me contratou, já pensava nisso?

– Sim, Anya. Foi por isso que a contratei. Eu vi que você estava desesperada. Vi que a situação em que você se encontrava faria você topar qualquer tipo de acordo para se ver livre de sua mãe.

– Então porque não me disse isso antes? Por que não me disse no primeiro dia que…

– Por que eu precisava ter certeza de que você era uma pessoa de confiança. E você teria aceitado se casar comigo no primeiro dia? – perguntou ele. – Anya, eu achei que você só concordaria em se casar comigo se me conhecesse melhor, se entendesse o meu ponto de vista.

– Eu até entendo. Eu concordei em fingir que era sua namorada porque entendi sua situação.

– Sim, é por isso que não entendi porque você ficou tão ofendida quando eu propus o casamento. Por que um namoro falso é muito diferente de um casamento falso? Não vejo diferença. É só mais complexo, envolve um contrato, um contrato que pode ser muito benéfico para você.

– Um casamento é algo sagrado, não um acordo comercial… – replicou ela, sentindo os olhos marejarem.

– Ah, Anya… você é tão romântica e ingênua.

– E o senhor é um cínico. Eu sei o que o senhor pensou. Vou oferecer casamento porque Anya jamais se casará com outro, uma vez que ela é um monstro, um ‘goemul’. Um casamento comigo é mais do que ela jamais poderia querer…

– Anya… – iniciou ele.

– Acaso não foi isso que você pensou? Que estava fazendo um favor para um ‘monstrinho’ como eu? – esbravejou Anya.

– Bem, confesso que imaginei que seria mais fácil propor esse acordo para você do que seria para uma mulher…

– Normal?

– Comum, Anya… e você não é comum.

– No fim, eu me resumo a um rosto feio… – disse ela, sem poder conter mais as lágrimas.

– O que há de tão ruim em se casar comigo? Eu posso lhe dar muito dinheiro por esse acordo. Tudo o que você tem que fazer é aparecer de branco na igreja e assinar o maldito contrato. Você terá dinheiro, nunca mais se incomodará com sua mãe, poderá ajudar sua amiga, pode até fazer a faculdade que você queria… – ele disse, argumentando para convencê-la a qualquer preço.

Anya olhou para os próprios pés, sem saber direito o que dizer ou fazer. Cada palavra dele parecia lhe agredir mais.

– Mas se resolver não se casar, Anya, então perderá o emprego, não terá dinheiro para sempre e terá que se submeter aos caprichos de sua mãe, que parece pior do que a minha e olha que Kim Dae Sun pode ser muito desagradável. O que você prefere, Anya? Pense bem… mas não demore em me dar uma resposta. Se você não quiser se casar comigo, eu terei que anunciar publicamente o término do nosso namoro… Certamente, isso não será uma boa publicidade para a empresa, principalmente agora que você está a frente de tanto negócios, mas eu posso conviver com isso…

Any secou as lágrimas com as costas das mãos. Tinha que ser prática. No fim, não poderia mais ser a tola e ingênua Anya a quem qualquer um poderia enganar.

Teria que entender de uma vez por todas que todos os sonhos que tivera em se casar por amor eram uma ilusão e que aquele acordo que Do Jin propunha era sua sorte grande.

Qualquer mulher aceitaria aquela situação sem pestanejar. Ele era rico, poderoso, não lhe faltaria nada. Toda a dificuldade que sempre tivera até então acabaria. Mas ele não era um homem comum.

Pelo contrário, era um homem com um temperamento difícil. Conviver intimamente com ele, deveria ser o próprio inferno. Entretanto, ela não tinha muita escolha.

Entre ser a mulher de um empresário, e a empregada doméstica da própria mãe, achava que o casamento poderia lhe render pelo menos, alguma liberdade de escolha e garantiria seu futuro. Contudo, poderia estar entrando numa prisão perigosa, pois Do Jin era um homem poderoso.

– Por que eu? Minha amiga Beth é bonita e também está numa situação difícil. Como eu e ela, existem muitas mulheres bonitas e simples e em situações desesperadoras. Minha cicatriz será um fardo para o senhor no futuro, quando tiver que me apresentar como sua esposa.

– Ninguém ousará te tratar mal quando for minha esposa. Não vê, Anya. As pessoas são más por natureza. Elas fofocam e falam mal de mim o tempo todo. O seu rosto é apenas um motivo. Elas não conhecem você ou eu. Mas elas conhecem o dinheiro e o poder. E quando você perceber isso, verá que estou te oferendo algo muito valioso. Precisa ser você, Anya. Não posso lhe dizer porquê. Apenas tem que ser você.

– O senhor disse que fez uma promessa e por causa dela não poderia se casar. Já mudou? Sua promessa não significa nada?

– Pelo contrário, Anya. Ela significa tudo.

Anya não entendeu. Não poderia entender. Os olhos do Dr. Do Jin eram misteriosos, enigmáticos. Poderia confiar em um homem assim? Poderia se entregar a um homem assim?

Ela não poderia negar que se sentia atraída por ele. Que as carícias dele despertavam algo nela. Algo que ela mesmo não entendia, mas seria isso o suficiente para se casar com ele?

Para ele, o casamento não era mais do que um negócio, mas para Anya, que sempre sonhara se casar, casamento era algo especial, algo sagrado e mágico entre duas pessoas que se amavam.

Entretanto, pensou ela, sentindo um amargor por dentro, desde que sofrera o acidente, sentiu que aquele sonho também havia morrido. Enquanto ela estava no hospital, em coma, seu namorado de Ensino Médio, jamais fora lhe visitar.

E quando ela o visitou, quando se recuperou um pouco, seu namorado a escorraçou como se fosse um cachorro, dizendo que jamais ficaria com ela, por ser algo tão horrível.

Ela chorou por dias seguidos e depois disse a si mesma que o sonho de se casar, nada mais era do que uma ilusão. Sim, nada mais do que uma ilusão, nada mais do que um papel para assinar.

– Eu aceito – disse ela, sentindo que algo dentro de si se partia. Acabou, Anya, dizia a si mesma. Seja uma mulher prática e seja grata pela sorte. – Meu pai, onde quer que ele esteja, deve estar muito decepcionado comigo.

Do Jin se ajoelhou diante dela e segurou seu queixo, secando uma lágrima com um polegar.

– Não se sinta assim, Anya. Você verá que eu não sou o monstro que você imagina. Não queria ofender você como eu fiz, mas eu precisava pressioná-la. Eu não tenho mais tempo. Mas eu te prometo que vou fazer o possível para fazer você se sentir melhor…

– Por quanto tempo teremos que ficar casados? – interrompeu ela, não queria que ele lhe fizesse promessas vãs.

– Um ano. É o que meu avô estipulou no testamento. Depois de um ano, você ficará livre de mim e terá dinheiro suficiente para nunca mais ter que se preocupar com seu futuro.

Anya achou que não era tanto tempo assim, afinal, passou dois anos sendo humilhada constantemente por sua mãe. Um ano com Do Jin não poderia ser tão ruim, poderia?

– Vou lhe devolver isso e amanhã você irá trabalhar… eu preciso de uma secretária… – disse Do Jin, colocando a carta de demissão que Anya havia dado a ele sobre seu colo.