9 – A Beleza da Alma – O Casamento

De uma forma estranha, era bom voltar à Do Jin. No dia anterior, Anya havia saído do seu trabalho como se nunca mais pudesse colocar os pés ali e aquilo a deixara muito triste e frustrada.

O anúncio público a respeito do seu casamento com Do Jin havia mudado muito as coisas para Anya. Rachel foi a primeira a lhe cumprimentar com um sorriso falso e sem jeito. No elevador, um homem fez um gesto para que ela entrasse antes que ele e a cumprimentou gentilmente. O mundo parecia ter esquecido que ela era a ‘goemul’ do dia anterior.

Do Jin, pelo contrário, estava igual. Assim que ela pisou na presidência, ele a chamou porque ele não estava conseguindo enviar um relatório em .pdf para uma das filiais.

Parecia nervoso e impaciente, mas não fez nenhuma menção ao casamento ou a sua carta de demissão.

Quando estavam sozinhos, tratou-a como um chefe trata sua secretária, mas quando Karina e Park Ra In entraram em sua sala, ele mudou imediatamente o tom e até fez uma carícia com seus cabelos. Anya ainda ficava um pouco arisca com aqueles gestos, mas sorriu para ele.

O mesmo aconteceu quando eles desceram para uma reunião no 6º andar. Ele foi delicado com ela e segurou sua mão na frente de todos. Mas assim que ficaram a sós no elevador, ele se afastou e ficou em silêncio.

– Algum problema, Dr. Kim? – perguntou ela, preocupada. E se ele tivesse mudado de ideia? Se ele tivesse mudado de ideia, manteria Anya como sua secretaria?

– Meus tios já receberam a notícia de que nós iremos nos casar… – disse ele num tom cansado. – Eles me ameaçaram. Disseram que querem metade da empresa mesmo assim, ou irão me boicotar na próxima reunião do conselho.

– Eles não têm muita influência na empresa, doutor, o senhor não deveria temê-los. O conselho jamais ficaria contra o senhor e a favor deles.

– Eu sei disso. Mas ainda assim… Anya… se por algum motivo eles descobrissem que esse casamento é forjado… eu perderia mais do que metade da empresa. Eu perderia tudo… Você precisa entender que você me tem em suas mãos e que eu estou contando com a sua discrição, com a confiança que você sempre demonstrou ter em mim e eu em você.

– Eu entendo, doutor. O senhor pode confiar em mim, como sempre. Eu não queria me casar assim, dessa forma. Mas agora que concordei com isso, o senhor deve saber que não vou voltar atrás e que guardarei esse segredo comigo para sempre, se for necessário. Nem mesmo Beth saberá…

– Eu confio em você, Anya…. eu confio em você.

Um mês depois

Quando se viu diante da catedral da cidade, minutos antes do seu casamento, Anya achou que seu peito iria explodir e seu coração iria pular para fora de tão nervosa que estava. Aquele mês de preparação passou voando e agora Anya se sentia culpada por não ter feito muita coisa para que o casamento acontecesse.

A mãe de Do Jin e sua mãe, Avana entraram em consenso e planejaram todo o casamento. Por parte de Anya, apenas Beth, sua mãe e alguns colegas da empresa foram convidados, por parte de Do Jin, metade da cidade – a rica metade – fora convidada.

Anya estava linda, se é que poderia dizer isso. Mas quando ela se olhou no espelho no salão de beleza que a mãe de Do Jin contratou, sentiu pela primeira vez na vida que era uma mulher bela.

O vestido branco era espetacular: tinha uma saia muito bufante e rodada, feito em organza, renda e com detalhes de flores.

O véu era romântico e caía até quase sua cintura. Por fim, a maquiagem não buscou disfarçar sua cicatriz, mas acentuá-la, o que lhe deu um ar exótico e belo. Ninguém poderia possuir aquele rosto, ninguém poderia possuir aquele corpo.

A princípio, ficou preocupada que o vestido deixaria a mostra sua cicatriz nas costas, mas não ficou feio. Pelo contrário, a maquiadora fez com que a cicatriz combinasse de alguma maneira estranha com o padrão da renda do vestido.

Era estranho pensar o que o dinheiro poderia fazer com uma aparência. Assim, daquela forma, Anya parecia uma mulher elegante, segura, exótica e belíssima.

Como trabalhou até o dia anterior, Anya não teve tempo de comprar enxoval ou planejar sua lua de mel, então confiou plenamente que a mãe de Do Jin e o próprio Do Jin estavam cuidando disso.

Subiu as escadas da catedral e ficou de frente para o corredor principal. No mesmo instante, escutou a marcha da noiva anunciando sua entrada. Caminhou com passos suaves até metade da igreja quando notou a presença de Do Jin ao lado do padre, perto do altar.

Ela caminhou para ele, sem olhar para mais ninguém e quando os dois ficaram cara a cara, Anya não resistiu e o abraçou. Não porque estava emocionada e apaixonada, como todos poderiam imaginar, mas porque sentia que suas pernas estavam lhe traindo e ela estava quase desabando ao chão.

– Está tudo bem? – perguntou Do Jin no seu ouvido, ao perceber que ela estava realmente pálida. – Parece estar passando mal.

Anya anuiu com a cabeça e se apoiou no braço de Do Jin que a levou até o altar. Ele colocou uma mão sobre as costas de Anya, ao perceber que ela estava tonteando e olhou para ela com preocupação.

– Estou melhor… – disse ela, mais para convencer a si própria do que a ele.

A cerimônia passou como um borrão e antes que ela pudesse se dar conta, chegara aquele instante em que o padre pergunta se ela aceitaria se casar.

Uns poucos segundos foram suficientes para fazer Do Jin arquear as sobrancelhas, temendo sua hesitação.

– S-sim… – respondeu ela, trêmula e nervosa – E-eu.. ac… ac..ceito.

A festa passou ainda mais rápida do que a cerimônia, na opinião de Anya. Ela cumprimentava a todos ao lado de Do Jin, mas não conseguia se ater ao que fazia. Por sorte, Do Jin era um melhor anfitrião do que ela e conversou com todos com humor.

E quando Anya imaginou que não poderia aguentar mais nenhum minuto naquela falácia, Do Jin finalmente cochichou no seu ouvido:

– Vamos…

Anya jogou o buque de flores do campo para as mulheres solteiras que estavam presentes, entre elas, a prima de Do Jin, e depois foi encaminhada até a limusine em que Do jin também entrou. Todo o trajeto do salão de festas da Do Jin até a casa de seu marido foi feito num silêncio quase fúnebre.

Quando chegaram diante da casa de Do Jin, ele ajudou-a a sair do carro e guiou-a até a casa.

– Está tudo bem com você? Está tão pálida… – perguntou ele.

– O casamento foi muito intenso pra mim…

– Sinto muito por isso – disse ele, numa voz baixa, enquanto abria a porta – Também foi cansativo para mim. Mas acabou, finalmente. O que foi feito está feito. – falou ele, como quem anunciava o falecimento de alguém. Só agora se dava conta de que também Do Jin não queria se casar com ela e que o fazia por que não tinha outra opção.

Anya parou no hall de entrada da casa, finalmente tendo a consciência de que sua vida mudaria dali para a frente. Naquela manhã, deixou seu apartamento no Burbúrio, sabendo que talvez nunca voltasse e agora passaria a viver com o poderoso Do Jin. Como sua esposa!

Aquele pensamento fê-la gelar e ela petrificou.

– O que foi?

– Er… eu… terei que…você sabe… eu terei que… dormir com o senhor…?

Do Jin sorriu, fazendo Anya se sentir ainda mais tola.

– É claro que não. Esse acordo é um negócio. Não precisamos envolver amor ou sexo ao nosso acordo, você não acha? Mas você terá que ficar no meu quarto, Anya. Meus empregados podem suspeitar se você dormir noutro lugar. Não posso confiar neles, pois eles podem fofocar algo para meus tios.

– Isso quer dizer que…

– Eu dormirei no sofá… você utilizará a cama. Os empregados não estão hoje, mas devem chegar amanhã de manhã e precisamos evitar comentários.

Ao entrar no quarto de Do Jin, Anya imaginou que o sofá poderia ser até mais confortável do que a cama.

O quarto era absurdamente grande. Tinha um sofá, uma mesa de centro, uma poltrona, um pequeno escritório num espaço que parecia uma antessala e, subindo alguns degraus, estava a maior cama que Alis já vira na vida.

– Não acho justo que o senhor durma no sofá. Esse é o seu quarto e a sua cama. Deixe que eu faça isso, doutor, afinal, a minha cama no Burbúrio era pior do que o seu sofá.

– Seria uma falta de cavalheirismo deixar você no sofá. – disse ele, num tom profundo. – Ainda mais você que parece tão frágil. Está sempre se sentindo mal.

– Mas eu me sentiria melhor assim, doutor. Já estou acostumada… sério, eu ficaria melhor assim.

– Anya…

– Não quero dormir em sua cama! – desatou ela, arrependendo-se do que falara. Sabia que ele estava tentando ser gentil, mas de fato, ela se sentiria muito desconfortável dormindo onde ele antes costumava dormir.

– Tudo bem. Faça como quiser – disse ele, parecendo desanimado – Infelizmente, teremos que nos adaptar um ao outro. Mas é por pouco tempo.

Anya esfregou as mãos nervosamente e se sentou no sofá. O vestido preencheu todo o espaço.

– Você pode usar o banheiro deste quarto. Eu usarei o do quarto ao lado.

Do Jin saiu do quarto, tão logo terminou de falar. Anya mordeu os lábios sem saber direito o que fazer. Teria que viver assim ao lado de Do Jin por um ano.

Ele não era grosseiro, pelo contrário, mas Anya percebia em sua voz o desagrado por toda aquela situação.

Cansada, resolveu tomar banho. Teve dificuldades para tirar o vestido, mas por fim, conseguiu se livrar de todo o tecido.

Tomou um banho rápido e escolheu uma camisola simples entre as roupas novas que Do Jin comprou e que estavam em plásticos. Quando saiu do closet, o quarto estava na penumbra não fosse pela luz fraca de um abajur ao lado do sofá. Do Jin estava na cama, e embora ela tentasse, não conseguia ver se ele estava acordado ou dormindo.

Sobre o sofá, Do Jin colocara dois travesseiros, um lençol e um edredom.

Depois de ajeitar tudo no sofá, Anya deitou-se e apagou a luz do abajur. Tentou dormir, mas apesar do cansaço, não conseguia conciliar o sono. Ficou pensando no que havia feito e no que teria que enfrentar dali pra frente.

Precisava ser forte e agradecida, afinal, depois daquele ano, jamais precisaria se humilhar ou desistir do sonho de fazer a faculdade. Um ano. Era só o que precisava aguentar.

Sentiu seus olhos arderem e algumas lágrimas escaparam de seu controle. Estava no mesmo quarto que o poderoso Do Jin. Entre a cama e o sofá, havia menos de 4 metros de distância. Se ela caísse no choro, ele escutaria e não queria revelar seu desânimo, mas a verdade é que ela se ressentia com aquele casamento.

Quando era criança, tinha o sonho de se casar com o homem de sua vida, sonhava em viver um romance intenso e sincero e estar no sofá, no primeiro dia de sua lua de mel, casada com um homem que a via somente como um negócio não era a realização de seus sonhos.

Entretanto, já devia estar acostumada às agruras da vida.

Depois de algumas horas pensando sobre sua situação, pegou no sono. Acordou um pouco assustada. O quarto antes na penumbra estava iluminado com o sol da manhã. Do Jin não estava na cama e sua cama estava arrumada.

Ainda era cedo, mas com medo de que alguma empregada invadisse o quarto, Anya arrumou o sofá e guardou a roupa de cama no roupeiro próximo a cama. Depois de tomar uma ducha rápida, escolheu um vestido simples e romântico no closet e resolveu descer. Procurou Do Jin pela casa e depois de perguntar a uma das empregadas, foi até uma área que não conhecia. Era uma área descoberta nos jardins na parte de trás da casa. Nesse lugar, havia uma pequena mesa de madeira redonda e algumas cadeiras. Do Jin lia o jornal.

– Bom dia. – disse ela, animada.

– Bom dia – devolveu ele, sem tirar os olhos do jornal.

Ela esperou que ele lhe dissesse algo por alguns segundos, mas ele permaneceu mudo, sem olhar para ela.

Ela serviu-se do café da manhã, alimentando-se em silêncio. Era estranho. Era muito estranho estar na presença de Do Jin como sua esposa. Preferiria ser sua secretária. Pelo menos, saberia o que dizer.

– Doutor, já definiu quem ficará no meu lugar na empresa? – falou ela, tentando iniciar uma conversa. Se mantivesse a conversa a respeito do escritório, ao menos, teria algo para falar.

– Vou considerar Rachel como minha secretária. Contudo, espero que você aceite ficar na presidência como Vice-presidente.

– Vice-presidente? – perguntou ela, surpresa com aquela informação.

– Sim, Anya. Ra In está para se aposentar. Ficará mais dois meses. Até lá, você ficará para treinar Rachel nos afazeres. Não vou dar a Rachel o mesmo nível de autorização que você tinha. Então, você precisará supervisionar o trabalho dela.

– Tudo bem quanto a isso, mas quanto a assumir a vice-presidência…? O conselho não teria que aprovar e eu não teria que fazer parte do conselho?

– Sim, mas faremos uma manobra política para que isso ocorra. O conselho respeita você pelo seu trabalho. Assim que nos casamos, eu transferi 1% das minhas ações para você. Isso lhe dará direito de participar como membro ativo do conselho. Creio que eu consigo quorum para aprovar sua indicação para vice-presidente.

Anya pensou que em toda sua vida jamais imaginou que poderia ser a vice-presidente de uma grande corporação. Deveria estar exultante. Por que se sentia tão triste?

Era uma manobra política para manter o poder de Do Jin na empresa. E ela não era mais do que uma fantoche. Casou-se com ele, pois ele queria alguém a quem pudesse controlar. E ela estava se deixando manipular. Fora contratada para isso. E teria que cumprir seu papel.