Capítulo 32 – Faces
Tae Gun freou o carro no pátio atrás de sua mansão, em frente à garagem e saiu do carro. Percebeu que Raul veio correndo em sua direção e parou para espera-lo.
– Senhor, não vai acreditar: a menina está aí dentro! – falou o motorista.
– Como é? – disse Tae Gun, sem entender direito o que queria dizer o motorista.
– Ah-Lis, senhor, a senhora Ah-Lis está na casa. Veio ver o senhor. – revelou Raul.
Tae Gun virou o rosto, olhando para a mansão e sentiu o coração disparar.
Não sabia se permanecia ali parado, apenas observando e tentando perceber de longe a tênue vibração da alma da mulher que amava ou se saía correndo, buscando encontrá-la e envolvê-la em seus braços.
Havia ensaiado um discurso. Um discurso que foi minguando pouco a pouco, pois não parecia haver palavras para expressar o que sentia agora.
Todos os dias, Tae Gun estava indo ao Instituto Psiquiátrico.
Todos os dias solicitava a visita a Ah-Lis Kim Tae Hoon e todos os dias recebia um grande NÃO.
Depois ia para a sala de espera, de onde os internos não podiam vê-lo e de onde Tae Gun podia acompanhar Ah-Lis surgindo etérea no pátio interno do Instituto.
Ele a observava se sentar num banco à sombra de um salgueiro e se por a ler livros apreciando os sons da natureza em volta.
E parecia que aquelas horas que passava no Instituto, simplesmente a contemplá-la, preenchiam sua alma e recarregavam suas forças. Ele a amava.
Ele a amava como nunca amara a ninguém e ainda assim, ela o evitava.
Perguntava ao Dr. Bo o que estava acontecendo com ela, mas ele nada lhe revelava. Sigilo médico-paciente, explicava ele.
Os dias foram passando e Tae Gun foi compreendendo que era o tempo que Ah-Lis precisava para se curar, pois foi uma ferida aberta pelo padrasto e ampliada por Kim Tae Hoon, mas era tão difícil para ele ter a paciência que ela esperava dele.
E agora, ela finalmente estava na sua mansão, e Tae Gun mal conseguia se mover.
Havia planejado dizer-lhe mil coisas, mil palavras que agora se esvaneciam ao vento.
Respirou fundo, tomou a coragem necessária e aproximou-se da casa pela porta dos fundos. Escutou vozes na sala de entrada, mas eram duas empregadas que limpavam o recinto animadas.
– Ela está lá em cima, patrão – disse a empregada.
Tae Gun obedeceu a indicação da empregada e subiu as escadas.
No pavimento superior, escutou uma gargalhada. E achou que era a primeira vez que escutava a risada de Ah-Lis, sempre tão séria e triste.
Em seguida, aproximou-se vagarosamente. O som vinha do quarto do bebê.
Para sua sorte, a porta estava aberta, então se encostou à bateira da porta para observar a cena:
A babá Eun-Na e Ah-Lis estavam sentadas no chão, de frente uma para a outra.
No meio delas, Tae Ji, agora com um ano e dois meses, andava de um lado para outro, abraçando a uma e depois a outra num jogo de vai e vem. Os três riam com os passos mal dados do bebê que ensaiava suas primeiras caminhadas.
Tae Gun sorriu, mas seus olhos ficaram úmidos, tomado pela emoção.
Sentia-se tocado com aquela cena, pois sabia o quanto seu filho representava para a mulher que ele amava.
Eun-Na, que estava de frente para Tae Gun, percebeu depois de alguns minutos a sua presença.
– Sr. Cha! – falou Eun-Na, fazendo Ah-Lis se virar.
Ela sorria. Era o sorriso mais gracioso do mundo.
– Bem, eu vou levar o Tae Ji lá embaixo, dar uma papinha antes de dormir. Vou deixa-los a sós. – falou Eun-Na, erguendo o bebê no colo. Quando passou por Tae Gun, ele fez um carinho nas costas do bebê e beijou sua testa.
– Pá! Pá! – disse o bebê.
Em seguida, Eun-Na sumiu no corredor.
– Ele já está andando e falando… que lindo – falou Ah-Lis, levantando-se.
Tae Gun entrou no quarto e ficou em frente à Ah-Lis. Alguns centímetros os separando. Seu coração disparava a mil e hesitava. Não sabia o que dizer ou fazer.
– Tae Gun… espero que me perdoe por essa invasão, mas eu estava com muitas saudades do bebê.
– Invasão…? – falou ele, sem entender. No seu entendimento, aquela casa era tão dela quanto dele – Por que não avisou que iria sair do Instituto? Eu teria mandado alguém buscá-la… ou eu mesmo iria buscá-la.
Ah-Lis suspirou e respirou fundo. Parecia se preparar para dar as explicações necessárias.
– Eu precisava resolver algumas coisas antes de vir… aqui – respondeu ela sucinta.
– Coisas? – perguntou ele, exigindo os detalhes.
– Fui a minha casa. Está abandonada. Foi invadida, enquanto estava fora. Roubaram uma TV velha que eu nem usava, mas pelo menos ainda está de pé. E fui à minha escola. Ko Eun Min disse que eu tinha duas licenças-prêmio para tirar e ainda duas férias: dá um ano e dois meses. Isso quer dizer que eu ainda tenho alguns meses de folga e depois poderei retornar ao meu trabalho. Fiquei muito contente, por isso.
– Ótimo! Estou feliz por você – respondeu Tae Gun, parecendo distante, o que não passou despercebido por Ah-Lis.
– Bem… eu vim aqui para dizer que… eu sei que o senhor pagou pelo meu tratamento e quero que saiba que vou lhe devolver cada centavo. – falou ela, esfregando as mãos nervosamente, ainda mais porque ele parecia distante. – E… bem… eu tenho evitado a sua visita e sei que o senhor queria falar comigo. Vim aqui para escutar o que o senhor tem a dizer para mim.
– Voltou com o ‘senhor’, é? – falou ele, como se não tivesse escutado o que ela disse.
– Tae Gun… – corrigiu ela. Os dois se olhavam intensamente nos olhos um do outro. Ah-Lis sabia que agora era a hora. Era o momento que mais temia e que precisava enfrentar e enfrentaria, mas a demora da reação por parte de Tae Gun só intensificava a tensão daquele momento.
– Deve estar aborrecido porque eu vim até aqui.
– Até aqui, onde? – falou ele, fingindo não compreender o que ela dizia.
– Aqui, na sua casa, no quarto do bebê. Deve querer que eu me afaste para sempre de Tae Ji, não é? – perguntou ela, segurando a respiração.
– E porque eu iria querer isso? – perguntou ele, como se não entendesse aonde ela queria chegar.
– Por que eu matei Kim Tae Hoon! – respondeu ela, simplesmente.
– Você me salvou naquele dia! – falou Tae Gun, suscintamente.
– Eu matei um homem porque quis, porque desejei matá-lo. Atirei em Kim Tae Hoon de caso pensado, Tae Gun. Aposto que esteja ele onde estiver, deve estar arrependido por ter me ensinado a atirar. Por isso eu fui processada por homicídio doloso, Tae Gun, por eu matei desejando matar.
– Mas foi inocentada – adicionou ele.
– E dada como louca… – falou ela, com um muxoxo.
– Estava alterada emocionalmente. O Dr. Bo explicou isso…
– O que é pior, Tae Gun. Por que isso faz de mim uma desequilibrada, capaz de matar ao menor sinal de estresse emocional.
– Ao menor? – perguntou Tae Gun, franzindo o cenho. – Deus do céu, Ah-Lis. Meu Deus, eu não sei se você tem noção do que está dizendo. Não sei se fala isso para tentar se convencer de que é uma pessoa fraca e culpada.
Ah-lis deu de ombros, sem entender direito os sinais de Tae Gun. Ele parecia bravo com ela, agora.
– Eu nunca encontrei alguém que tenha passado pelo que você passou e tenha sobrevivido. – explicou ele – Jamais encontrei alguém com a capacidade de enfrentar tantas ameaças, tantos problemas, tanta tristeza e continuar consciente e forte. Você não só provou que é uma pessoa maravilhosa e sensível, mas também forte e batalhadora, uma guerreira quando há pessoas que você ama em perigo. E tudo o que eu pensei, sobre você ser frágil no início, caiu por terra…
Ah-Lis olhou para Tae Gun e sentiu seus olhos umedecerem.
– Você realmente acha isso? – perguntou ela, incrédula.
– Eu não só quero que meu filho fique na sua presença, como vou agradecer aos céus se ele puxar a fibra que a tia dele tem…
Ah-Lis sorriu ao mesmo tempo que deixava uma lágrima escapar.
– Tae Gun… – ela disse, aproximando-se. Colocou uma palma sobre o peito dele, em cima do coração. – Eu quis tanto te receber no Instituto, mas não tive coragem, por favor, me perdoe…
– Eu entendo… – falou Tae Gun, resistindo a vontade que tinha de abraça-la, de toma-la em seus braços. Era uma precaução necessária.
Ah-Lis, por outro lado, interpretava a precaução de Tae Gun como indiferença.
Mil coisas começaram a passar em sua cabeça, mas a principal ideia era a de que ela não significava mais nada para ele.
Até a raiva seria melhor do que aquela indiferença, coisa que não imaginou que fosse encontrar em Tae Gun. Talvez fosse a hora de ir embora. Dar por encerrado aquela história.
– Eu sinto muito, por tudo! – falou ela e se afastou dele. Já estava próxima da porta, quando sentiu uma mão em sua cintura.
– Não vou deixar você sumir dessa vez… – falou ele baixinho em seu ouvido. Ela sentiu os dedos dele em seu quadril, pressionando gentilmente com uma leve carícia. – Tantas vezes já senti você escapando por entre meus dedos. Quantos meses de espera, quando tempo imaginando o dia em que eu poderia ver seus olhos olhando para os meus. Então não pense que eu vou deixar você ir…
– Talvez fosse melhor… – falou ela, encostando-se no peito de Tae Gun, sentindo ser envolvida pelos braços dele. Sentia um torpor tomando-lhe de assalto. Tinha medo e ao mesmo tempo, desejava virar-se e beijá-lo como nunca desejou nada anteriormente.
Enquanto isso, Tae Gun acariciava seus cabelos, afastou-os de sua nuca e beijou seu pescoço.
– Quando é que vai assumir que me ama, futura Sra. Cha…? – falou ele, num tom brincalhão.
Ela levantou o rosto e olhou em seus olhos. Tinha a respiração irregular, por isso, levou uma das mãos ao seu coração, a outra espalmada no peito de Tae Gun que a envolvia.
– Eu não sei o que é isso… – falou ela, sinceramente. – Não sei o que é porque nunca amei ninguém de verdade, mas se amor for o que eu sinto por você, então saiba que é a coisa mais incrível que já senti, um coisa que aperta o meu coração e que me impulsiona a continuar. Quanto eu matei Kim Tae Hoon, achei que havia perdido a mim mesma, mas cada vez que achava que iria desistir, pensava em você… eu só pensava em você e ao mesmo tempo, tinha tanto medo…de te ver. Eu tive tanto medo de perder você…
Ah-Lis apoiou a cabeça no peito de Tae Gun e deixou que as lágrimas rolassem por seu rosto. Ela tremia e não sabia se era por medo ou por emoção. Ele percebeu o quão importante era aquele momento e a abraçou ternamente.
– Não precisa mais ter medo. – disse ele baixinho, fazendo uma carícia nas costas dela com uma mão. Com a outra, secou as lágrimas no rosto dela, empurrando alguns fios de cabelo para trás da orelha dela. – Me deixa te amar, Ah-Lis. Deixa eu te mostrar o que é amar uma mulher…
Tae Gun se abaixou e tocou os lábios dela com os dele.
Suavemente, ele a puxou para si e sentiu que ela o abraçava, acariciando suas costas, enquanto suas faces se tocavam.
Depois de alguns minutos naquele carinhoso contato, Tae Gun afastou-se alguns centímetros para olhar para ela. Ela não desviou o olhar, nem fechou os olhos como das outras vezes. Estava diferente. Parecia preparada para enfrentar as consequências daquele contato. Parecia preparada para enfrentar a si mesma e se entregar ao amor.
– Diga, Ah-Lis, por favor, me diga… – disse ele, sorrindo, pois sabia o que iria escutar.
– Eu amo você! – falou ela, com os olhos marejados – Eu amo você, Tae Gun! Por favor, me ame e seja amado por mim…
Ele não esperou mais, ergueu-a nos braços , levantando-a do chão e deu um volta com ela como se tivesse ganhado na loteria, como se tivesse atingido a felicidade suprema que um ser pode conseguir.
Depois parou, com ela ainda em seus braços. E dessa vez foi ela que o beijou, enquanto escorregava de seus braços.
Ela se afastou dele, e começou a caminhar de costas, ainda olhando para ele. Ele franziu o cenho, imaginando o que se passava na cabeça dela, o que ela poderia fazer?
Será que ela iria correr para longe dele, afastar-se para sempre dele, agora que ele sabia que ela o amava. Mas, com um sorriso maroto, ela cruzou o corredor e entrou no quarto dele, chamando-o com ambas as mãos.
Tae Gun sorriu e a seguiu, fechando a porta do quarto atrás de si.
– Você é minha agora! – falou ele, mas num tom suave, para não amedronta-la. – E eu serei seu… para sempre!
Ele se aproximou e a beijou na testa. Percebeu que novamente a respiração dela estava irregular. E ela parecia nervosa.
– Não se preocupe, Ah-Lis. Não vou te machucar.
-Eu sei, Tae Gun. Você nunca me machucaria, mas tenho medo de te desapontar. Eu nunca… – como ela poderia explicar? Como ela poderia dizer que não tinha experiência na arte da sedução? Que seu padrasto e Kim Tae Hoon nunca a ensinaram a retribuir o amor?– Eu… sou uma idiota! – resumiu ela, mordendo os lábios.
Ele sorriu e beijou seus lábios novamente.
– Querida… sei que você não tem experiência… sei que nunca ninguém lhe tratou como deveria, ninguém lhe ensinou o quão lindo um ato de amor entre um homem e uma mulher pode ser. Mas eu te mostrarei… e você me mostrará também, porque é o amor que deixa tudo mais belo, Ah-Lis e amor há de sobra em seu coração e no meu.
Os dois se abraçaram e se entregaram um ao outro naquele ato supremo de paixão, ternura e carinho.
Ah-Lis soube naquele instante que o vazio que sempre sentiu em sua alma foi preenchido com o amor que Tae Gun agora oferecia.
Ah-Lis acordou de madrugada e sorriu ao ver que estava nos braços do homem que amava.
Achou por um momento, que o que acontecera fora somente um sonho bom, mas a presença dele ao seu lado a alertava de que era a pura realidade: ela era dele e ele, dela.
Não num gesto de possessividade, mas num ato de entrega e de amor. Beijou-o suavemente nos lábios para não acordá-lo e foi até o banheiro.
Quando entrou, lavou o rosto e se olhou no espelho.
De repente, seu sorriso sumiu ao se ver no reflexo.
A mulher que havia a sua frente não era ela: tinha um sorriso maldoso e um olhar maquiavélico.
Ah-Lis virou o rosto, mas o reflexo manteve-se de frente para ela.
Franziu o cenho, assustada, e em resposta, seu reflexo ergueu as sobrancelhas, como Liz-Ah gostava de fazer ao ser desafiada. Eram duas faces desconexas.
Estaria ela sonhando? Estaria ela tendo alucinações? Por que via duas faces no espelho?
Era ela, tinha cada traço do seu rosto, até mesmo a cicatriz na têmpora direita e, entretanto, era outra.
Sentiu seu coração se acelerar, sem saber o que fazer. Então sorriu e suavizou as feições de sua face, erguendo a sobrancelha, exatamente como seu reflexo. Lentamente, as duas faces se fundiram em uma só: um rosto de uma mulher diabólica.
Ah-Lis acordou assustada, sentando-se sobre a cama.
– Você está bem? – perguntou Tae Gun sentando-se também, colocando sua mão nas costas dela para que soubesse que ele estava ali ao seu lado.
Ela virou-se para ele e suspirou aliviada: era um pesadelo.
– Eu estou bem! – falou ela e os dois voltaram a se deitar, abraçadinhos um ao outro. Novamente, Ah-Lis tinha o ouvido no peito de Tae Gun e escutava seu coração pulsar.
Aquele pesadelo era só uma reação à felicidade que agora sentia. Estava cansada de ter medo. Já havia enfrentado Na Kyo, sua irmã, Kim Tae Hoon e, principalmente, a ela mesma. Agora, não havia nada a temer, tudo ficaria bem…
Beijou Tae Gun novamente e os dois se olharam.
Nenhuma palavra precisou ser proferida. Seus olhares eram cúmplices… no amor.