Vingança e Redenção – Cap 1 – Julgamento

Só de ver Demir Ylmaz, Ayla Aksoy sente o corpo todo tremer. Passou a temê-lo, pois sabia que ele a faria sofrer, obsecado pela vingança. Ayla foi acusada de ter assassinado a filha dele e passou por um julgamento. Mesmo depois de ter ido para a cadeia, ela descobrirá que seu suplício só está começando. Para se vingar, Demir Ylmaz adotou a filha de Ayla, que foi arrancada de si na cadeia. Agora, ela terá que fazer o que ele quer, para manter sua filha a salvo. Mas o que acontecerá se ela for inocente? Quando a verdade for exposta, ambos terão que buscar a redenção.

Esta narrativa foi inspirada pela novela turca Esaret.

Capítulo 1 – Julgamento

O olhar de Demir Ylmaz para Ayla Aksoy era fustigante. Para evitar confrontar aquele olhar, Ayla mantinha a cabeça baixa.

Naquele tribunal, todos olhavam para ela como se ela fosse um monstro, uma coisa que precisava ser extirpada do mundo, mas nenhum olhar era como o dele.

Demir parecia calmo e sereno, mas havia algo mais naquele olhar. Um ódio puro e crescente alojado no fundo de seus olhos negros e no fundo da sua alma.

Ayla não o condenava. Se trocassem de lugar, talvez ela estaria exatamente como ele, aquele ódio fervendo e consumindo sua alma.

Porém, era sobre ela que aquele ódio era destinado e isso a assustava, pois ela sabia do fundo de sua alma, que só poderia ser inocente do crime que lhe acusavam.

Há um ano atrás, tudo o que ela pensava era na faculdade. Havia passado no vestibular para a melhor faculdade de Istambul. Quando descobriu, ficou extasiada. Seu sonho era se tornar uma médica e finalmente, parecia que tudo estava se encaixando.

Saiu para comemorar com uma amiga do Ensino Médio. Seu padrasto era muito protetor e não lhe deu permissão para sair, mas ela resolveu sair assim mesmo, saindo às escondidas.

Ah… se pudesse retornar àquele momento, se pudesse voltar no tempo e ter obedecido ao seu padrasto.

Mas naquela noite, resolveu esgueirar-se para fora de casa, encontrou sua amiga Harika na esquina e dali foram para uma boate no centro de Istambul. Pela primeira vez em sua vida sem graça, dedicada completamente aos estudos, fez algo impulsivo. Talvez por sua ingenuidade, por sua inexperiência, acabou aceitando uma bebida de um amigo.

A bebida havia sido ‘batizada’, pois um pouco depois, sentiu seu corpo estranho e tudo escureceu.

Acordou quinze dias depois no hospital, sem uma única memória dos dias anteriores. Mas daquele dia em diante, sua vida fora revertida no próprio inferno.

Ela sentia dores pelo corpo todo, pois fora a única sobrevivente de um acidente. O homem que dirigia o carro em que Ayla fora resgatada, era um predador sexual conhecido pela polícia como Omar Sema.

Mas ao abrirem o porta-malas do carro, encontraram o corpo da pequena Reyhan. A princípio, a polícia pensou que a garotinha havia morrido no acidente, mas não era verdade. Reyhan Ylmaz era a querida filha de Demir Ylmaz que fora sequestrada há alguns dias junto com sua mãe, chamada Merien Ylmaz.

Havia sêmen do Omar na pobre menininha. Mas isso não era tudo. A menina havia sido sufocada até a morte, e as marcas da mão que havia assassinado Reyhan não batiam com a de Omar, batiam com as de Ayla.

Ayla não conseguia aceitar aquilo. Ela jamais faria isso, nem mesmo se estivesse sendo ameaçada ou se estivesse drogada, como supunha. Mas as coisas não pararam por aí. Havia vestígios de sangue e pele que foram encontrados em sua unha que batiam com a da menina Reyhan. E havia sangue seu nas unhas da menina.

Com isso, a polícia concluiu que a menina lutou bravamente antes de morrer com sua assassina: a própria Ayla.

Do hospital, Ayla foi direto para a delegacia, onde deu seu depoimento. E dali, foi para a penitenciária, onde aguardaria seu julgamento.

Os detetives a visitaram algumas vezes na prisão, mas sempre foram encontros desagradáveis, pois eles queriam informações sobre o corpo da mãe da menina que foi sequestrada e dada como desaparecida. Mas Ayla insistiu que não se lembrava de nada.

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Na prisão descobriu o que era a dor e a desolação. As outras detentas a castigavam com frequência só porque podiam. Eram xingamentos, empurrões, socos, chutes, queimaduras com cigarro. Uma vida convertida em medo e dor.

As surras frequentes só pararam quando ela descobriu que estava grávida. Antes de tudo aquilo acontecer, era virgem, nem sequer tivera um namorado e agora estava carregando um bebê de Omar Sema.

Ela sabia que havia sido estuprada.

Disse isso no hospital, onde fizeram os exames. Entretanto, a promotoria estava alegando sexo consensual. Ela tinha hematomas no quadril e nas coxas, mas o promotor disse que os hematomas foram causados pelo acidente.

Então, quando descobriu a gravidez, odiou aquela criança, mais do que tudo em sua vida. Uma criança fruto de um estupro, de uma situação que transformara sua vida num profundo inferno era algo que ela não poderia aceitar.

No início, até pensou em fazer um aborto. Conhecia uma detenta que cobrava para fazer procedimentos abortivos na prisão. Entretanto, assim que os dias passaram, sentia o afeto crescendo por seu bebê a ponto de ser a única coisa que lhe restava, a única gota de esperança que tinha em viver sua vida destruída.

Porém, apenas dois meses depois do nascimento de sua pequena Nimet, os carcereiros invadiram sua cela e arrancaram o bebê de seus braços, alegando que ela maltratava a criança.

Entretanto, isso não era verdade. A cadeia não era o melhor lugar para se criar uma criança, mas ela se esforçava para manter sua bebê limpa, trocava-lhe as fraldas, dava-lhe leite materno, confeccionava suas roupinhas e a ninava com carinho. Nunca, nem uma só vez, tratou Nimet com agressividade ou omissão.

Alertou seu advogado, mas ele não conseguiu reaver a guarda da criança.

Parece que sua bebê iria para um orfanato.

Ayla passou dias chorando ou em puro choque. Parecia caquética, contemplando a parede da sua cela por horas a fio, depois desatinava a chorar. Só saiu de sua cela para ir ao tribunal para seu aguardado julgamento.

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Repórteres de todas as emissoras, bem como curiosos estavam reunidos aguardando por ela. Assim que saiu do camburão da polícia, foi recebida por gritos e alvoroços, empurrando-a como se quisessem um pedaço da sua carne, disparando perguntas agressivas.

Por sorte, o Dr. Aslan, seu advogado, apareceu entre a multidão, cobriu-a com seu casaco e a guiou até a sala onde ela deveria aguardar.

Não demorou muito para começar o julgamento.

O promotor era Amir Ylmaz, irmão de Demir Ylmaz, que insistiu em ser o promotor principal do caso.

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Amir Ylmaz

A declaração inicial de Amir pintou-a como uma garota fútil, que sequestrou uma mãe e uma filha, abusou e matou uma garotinha. A promotoria achou melhor não a acusar do sequestro de Merien Ylmaz, a mãe da garota, que continuava desaparecida até o momento, sem nenhum vestígio do seu paradeiro.

Dois médicos iniciaram os depoimento. O exame toxicológico não retornara nenhum indício de drogas alucinógenas, mas os hematomas foram questão de debate. O médico da defesa alegou que certos hematomas eram anteriores ao acidente de carro. Mas o médico da promotoria foi categórico: todos os hematomas provenieram do acidente, não havia nenhuma prova de que Ayla havia sido estuprada. O sexo foi consensual, portanto, ela era uma cúmplice do estupro da menina Reyhan e de seu homicídio.

Depois disso, algumas testemunhas da festa na boate deram seu depoimento, última lembrança de Ayla antes de acordar no hospital.

Para sua surpresa, sua amiga, Harika, era uma das testemunhas.

– Senhorita Harika Musfat, sua melhor amiga, a Senhorita Ayla Aksoy insiste em dizer que foi drogada sem seu conhecimento na noite do dia 31 de outubro de 2003. Você confirma esse depoimento?

– Não vi ninguém colocando drogas nas suas bebidas, mas eu a vi beber muito. Ela estava louca, completamente bêbada.

Ayla suspendeu a respiração por alguns segundos ao escutar aquilo. Ela não tinha muitas lembranças depois de ter tomado aquele drink.

– Sim, entendi. E você viu para onde a sua amiga foi depois da festa? Ela declarou a polícia que ‘convenientemente’ não se lembra de nada. Por acaso, a senhorita a viu sendo ‘levada’ por alguém, sem seu consentimento?

– Não sei para onde ela foi… mas eu a vi saindo com uma rapaz da nossa escola. Achei que eles… bem… que eles estavam indo para o motel…

– Protesto, meritíssimo… a testemunha está conjecturando… – interpôs o Dr. Aslan.

– Deferido. O júri não deve considerar essa última declaração. – decretou o juiz.

Ayla olhou pela primeira vez para o Juri. Não conhecia ninguém, mas os olhares que eles lançavam a ela, não eram melhores do que o de Demir Ylmaz.

– Senhorita Harika, você pode dizer como era o comportamento da senhorita Ayla na escola?

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Harika Musfat

– Protesto, meritíssimo… a vida e os relacionamentos da minha cliente não podem importar para seu julgamento… – retrucou Aslan, interrompendo o promotor que respirou fundo.

– Meritíssimo, a senhorita Ayla insiste que foi drogada e sequestrada… precisamos saber se sua palavra é confiável, por isso, é necessário averiguar sua personalidade.

– Indeferido… – falou o Juiz, enquanto batia seu martelo.

Ayla e Harika eram boas amigas. Mas Harika não foi visitá-la na prisão, nem respondeu à carta que ela lhe escreveu, perguntando se ela lembrava o que havia acontecido naquela noite da festa.

Seu advogado havia lhe dito que ela se negara a cooperar com seu depoimento, por isso, foi uma surpresa para ela ver Harika ali, como uma testemunha da promotoria.

– Ayla era uma excelente aluna, muito inteligente e tals… – começou Harika. – Porém, tinha uns namoradinhos e costumava provocar muito os garotos… Sabe… dava esperança para um, mas ficava com outro.

– Isso é mentira! – disse Ayla, levantando-se – eu nunca tive um namorado, sequer..

Esse era o comportamento da própria Harika. Enquanto Ayla se dedicava aos estudos, Harika vivia no meio dos garotos. Algumas garotas eram más e falavam absurdos de Harika, mas Ayla sempre a defendera, nunca imaginou que Harika faria isso com ela, enquanto ela sempre fora uma boa amiga.

– Ordem no Tribunal – declarou o juiz, novamente batendo o martelo – Dr. Aslan, controle sua cliente, por favor.

– Ayla, por favor, sente-se… – disse o Advogado, segurando-a pelo braço.

– Mas isso é mentira, doutor…

– Sente-se!

Diante da ordem, Ayla não teve outra alternativa a não ser se sentar.

Olhou para Harika, mas esta não ousava retribuir-lhe o olhar. Era óbvia a razão: Harika mentia.

Mentia deslavadamente em um julgamento com a única intenção de lhe prejudicar. Será que Harika estava por trás do que havia acontecido? Como ela poderia saber se não tinha nem uma única lembrança? Ah, se pudesse se lembrar… se tivesse um único flash de memória, mas não vinha nada em sua mente… havia somente um grande borrão branco.

Outras testemunhas não foram melhores. Quase todas disseram que Ayla bebeu muito e saiu com um dos garotos. O garoto em questão foi a próxima testemunha e disse que Ayla saiu com ele para um motel, mas acabaram se separando antes disso, por isso, ele não sabia o que havia acontecido com ela, mas jurou que jamais colocou nada em sua bebida.

Ayla começou a chorar, pois sabia que jamais faria algo do tipo.

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Ela nunca tivera um namorado e na escola, quando um garoto queria namorá-la, ela o dispensava, dizendo que precisava estudar muito e que só namoraria depois de terminar a faculdade de medicina, seu grande sonho que agora parecia cada vez mais e mais distante.

O advogado de defesa era muito bom, mas não era páreo para Amir Ylmaz. Ele a pintava como uma garota capaz de qualquer coisa por sexo.  

– Note, senhores jurados – continuava o promotor, apontando para um grande poster com os ferimentos pós-mortem de Reyhan em seu pescoço.

– A marca dos dedos e da mão não poderiam pertencer a Omar Sena. Sua mão era tão grande que poderia facilmente circundar o pescoço de Reyhan. Enquanto isso, a mão que a sufocou não conseguiu dar uma volta completa no pescoço. De acordo com o Sr. Legista, a mão não poderia ultrapassar 16 centímetros, exatamente a medida da mão da senhorita Ayla, enquanto a mão do senhor Omar possuía 20 centímetros.

A comoção do Tribunal foi geral. Até os membros do júri assentiam com suas cabeças de que aquela era a prova cabal de que Ayla era a única causadora da morte de Reyhan.

Por último, o legista apareceu apenas para corroborar as declarações da promotoria.

– Reyhan Ylmaz possuía escoriações em seu pulso, no pescoço e nas partes íntimas. As escoriações no pulso e no pescoço foram efetuadas pela mesma pessoa, conseguimos uma parcial de digital no pingente da pulseira da menina que bate com a digital da senhorita Aylan Aksoy.

– A promotoria encerra com a testemunha, meritíssimo.

– Muito bem, a defesa gostaria de fazer alguma pergunta à testemunha?

– Sim, meritíssimo – disse Dr. Aslan, levantando-se – Dr. Reumus, havia alguma digital no pescoço da vítima?

– Não, senhor. Porém, a medição das mãos é compatível com a da senhorita Ayla.

– Mas poderia ser de uma outra pessoa, além de minha cliente? Alguém com mãos pequenas, exatamente como a minha cliente. Segundo as análises de fotos, que costa nos autos como prova nr. 3 da defesa, a mão da Sra. Merien Ylmaz que está desaparecida até o momento, deve medir entre 15 e 17 centímetros.

– Bem… sim… existe essa possibilidade.

– Nada mais a declarar, meritíssimo. – disse o Dr. Aslan.

– Eu tenho mais uma pergunta, meritíssimo. – falou o Dr. Amir, ainda sentado, enquanto examinava alguns papéis – Dr. Dr. Reumus. As escoriações no pulso que pertencem à senhorita Ayla, indicam que a ré estava segurando a garota?

– Não, exatamente – disse ele, olhando para ela. – As marcas indicam que a senhorita Ayla deu um puxão com bastante força na garota, pois havia arranhões consideráveis no pulso da vítima. Acredito que isso foi necessário para imobilizar a menina enquanto Omar Sema praticava o estupro.

Aquilo foi uma tentativa de causar desconforto e comoção no júri, que meneava a cabeça, lançando olhares acusatórios a Ayla.

Depois disso, seu advogado pediu um recesso para reavaliar as provas da promotoria, mas o juiz não concordou com aquilo. As declarações finais do Dr. Amir Ylmaz foram terríveis. Em seguida, Ayla já aguardava o resultado do julgamento que veio em forma de um veredicto rápido e absoluto: Culpada de sequestro, culpada como cúmplice do Estupro de Menor e culpada do homicídio doloso por motivo torpe sem chance de defesa de uma criança: ao todo, 36 anos de sentença.

Seus olhos lacrimejaram, mas ela não conseguiu chorar. Estava em choque. Sua vida sempre tão planejada, sempre tão certinha, agora terminaria em uma cela.

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Uma hora depois, Demir invadiu a sala do irmão Amir, visivelmente irritado.

– 36 anos? 36 anos? Sério isso? Terei que esperar 36 anos pela minha vingança?

– A sentença também me surpreendeu, Abi (irmão mais velho, em turco). Mas tenha calma, ainda terá sua vingança.

– Achei que tinha falado com o Juiz para abrandar a pena… – retrucou Demir, ainda nervoso.

– E falei! Tínhamos fechado em 12 anos, 4 na condicional. Era tempo suficiente até conseguirmos a guarda da bebê.  Não imaginei que ela pegaria Sequestro e Estupro também. Achei que ficaria apenas no homicídio. O advogado dela é muito bom mas o problema foi a pressão da mídia…

– Você foi muito competente! Competente demais… não era para ferrar tanto com a garota – disse Demir, carregado de sinismo.

– Não sei se agradeço ou se te xingo. – retrucou Amir. Ele entendia a raiva do irmão. Ele mesmo tinha pressa para se vingar por Reyhan, mas realmente, a pressão da mídia era grande. Se o Juiz sentenciasse 12 anos, ele sofreria uma pressão gigantesca.

– E agora? Ah…? O que faremos?

– Se eu mexer uns pauzinhos, consigo a condicional dela em 9 anos.

– 9 anos…??? É muito tempo…

– Além disso, o comportamento dela precisa ser excelente. – interpôs Amir – Nada de brigas, nem de solitária. Teremos que mandar nossas meninas darem uma trégua para ela na cadeia. Eu soube que nossas garotas tem dado surras frequentes em Ayla

– Sim, tenho recebido os relatórios das suas detentas. É a única coisa que ameniza o ódio que sinto. Faça o que for necessário para tirar a garota da cadeia o quanto antes. E mande alguém ficar de olho nela. Assim teremos tempo para planejar a vingança.

– Não se preocupe… tenho um acordo com uma garota que está indo agora para a prisão. Posso pedir a ela que se dê mal nas entrevistas de condicional para ficar de olho em Ayla por algum dinheiro.

– Faça isso… pague o que for necessário… quero Alya em minhas mãos o quanto antes… Aquela garota vai pensar que a cadeia é um resort de férias quando eu acabar com ela… – disse Demir, crispando as unhas na palma da mão com força. Sua Reyhan seria vingada a qualquer preço