1 -A Beleza da Alma – Cap1

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Capítulo 1 – A beleza de Anya Medeiros

Anya Medeiros já havia se acostumado com aqueles olhares, mas não eram agradáveis. As pessoas sabiam ser cruéis. Muito cruéis. Por que tudo se concentrava em beleza?

Uma menina de mais ou menos 4 anos perguntou para a mãe o que Anya era, como se ela fosse um monstro de alguma história de terror. A mãe disfarçou encabulada e disse para a menina não olhar.

Os outros foram ainda piores. Uma mulher virou a cara, assustada, com nojo, medo. Um homem não conseguia parar de olhar porque estava curioso demais.

A beleza de Anya Medeiros
Anya Medeiros

Sem jeito, Anya puxou mais ainda a aba do capuz e se encolheu no canto, olhando para fora enquanto o metro avançava pela cidade.

Ao longe ela podia ver o edifício da Empresa Do Jin.

Ela sabia que a empresa era um conglomerado que controlava várias redes de supermercados, shoppings e lojas de departamentos pelo país inteiro e sabia que o Kim Do Jin era o CEO.  

Ela não o conhecia, a não ser de algumas reportagens em revistas e noticiários. Ele era um grande empresário, um dos mais ricos do mundo e participava de eventos sociais com uma certa frequência.

Não que ela o visse por aí, afinal de contas, ela não tinha vida social e mesmo se tivesse, jamais seria aceita nos lugares que ele visitava.

Se ela o conhecia, era por conta dos inúmeros Doramas (novelas coreanas) que costumava assistir e assim, sua curiosidade pelo mundo coreano fê-la prestar atenção nas notícias sobre o conglomerado Do Jin e o Kim Do Jin em pessoa. 

Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, Anya sabia que ele era um homem implacável nos negócios. Como é que ela poderia conseguir aquele emprego como sua secretária, então?

Anya não tinha experiência, beleza, não tinha nenhum curso superior, nem cursinho técnico ela tinha, como podia estar sendo tão ambiciosa?

E no entanto, ali estava ela, naquele metro, prestes a fazer uma entrevista.

O salário que a Do Jin oferecia era vergonhoso, mais ou menos 5 mil reais. R$ 5 mil reais!!! Ela nunca conseguiu ganhar mais que 1000 em seus empregos anteriores. Então o que ela fazia indo em direção àquela entrevista?

Anya não poderia voltar atrás, não agora que estava ali, embora soubesse qual seria o resultado.

Ela seria humilhada e sairia correndo da Do Jin com o rabo entre as pernas, seu orgulho ferido e com um trauma a mais para sua coleção.  Mas recuar seria se entregar a covardia e isso ela não faria.

Era o que sua mãe queria: que ela se entregasse e que aceitasse sua ajuda como uma inválida. Era por isso que sua mãe lhe arranjara aquela entrevista e ela, como uma idiota, havia caído uma vez mais na armadilha de Avana Medeiros.

Desde que saíra de casa há seis meses, sua mãe Avana fazia de tudo para depreciá-la.

Dizia-lhe que não tinha beleza, era deformada e que jamais teria um emprego decente.

Gritava a plenos pulmões que as pessoas tinham nojo dela e tudo o que ela deveria fazer era trabalhar como sua empregada doméstica às custas de um salário de miséria, muita humilhação e completo isolamento social.

A mãe até tentara trancafiá-la em casa. Deixou-a presa no porão por três dias sem comida ou água. Por sorte, sua amiga entrou na casa enquanto Avana não estava e soltou Anya que fugiu de casa e até então não voltara.

E não queria voltar. Isso Anya não poderia suportar. Ela tinha sonhos e apesar de ter aquela aparência medonha agora, Anya não poderia desistir de tentar ter uma vida funcional. A vida não poderia ser resumida a ter (ou não ter, no caso de Anya) a beleza.

Mesmo antes do acidente que lhe marcara física e psicologicamente, ela não era muito ligada em conceitos de beleza, mas achava-se uma garota bonita para a sua idade. Então não poderia deixar que isso definisse sua carreira.

Lutaria até o fim, até que todas as esperanças estivessem arruinadas. Embora faltasse muito pouco para isso.

Quando o metro chegou a estação central, Anya desceu, e passou a caminhar numa das ruas mais movimentadas da cidade.

As pessoas se afastavam quando viam seu rosto, embora ela andasse cabisbaixa e com o capuz sobre a cabeça e parte do rosto.

Quando entrou no edifício Do Jin, titubeou, ao olhar o lobby de entrada. Aquele lugar não era para ela. O que ela fazia ali? Por que simplesmente não desistia?

Que força a fazia continuar com aquele ritual de humilhação? Com o coração aos pulos, aproximou-se da recepção, onde a garota recepcionista deu-lhe um olhar que misturava consternação e nojo.

– Posso ajudá-la? – disse a recepcionista, analisando seu rosto sem a menor delicadeza. Se a Anya faltasse beleza, à recepcionista, faltava a empatia.

– Vim para uma entrevista de emprego. – ela respondeu, evitando mostrar muito o lado direito, o mais afetado pelas cicatrizes. 

– Ah, sim, para copeira? – disse a garota, sem disfarçar sua curiosidade.

Anya engoliu em seco. Poderia confirmar, não seria tão ruim.  Mas seu orgulho estava em jogo e agora que já iniciara aquele processo de humilhação, teria que ir até o final.

– Não, para o de secretária executiva do Dr. Do Jin. – respondeu Anya, tentando parecer confiante.

A recepcionista ficou de boca aberta. E olhou para Anya de alto a baixo.

– Claro – disse a recepcionista, tentando disfarçar um riso debochado. Saiu do balcão da recepção e pregou no camisete de Anya, um cartão magnético de visitante – Pegue o elevador, desça no 8º andar e fale com o senhor Amador, o gerente de recursos humanos.

Anya obedeceu e surgiu num oitavo andar em polvorosa. Havia funcionários andando de um lado para outro e todos pareciam estar ocupados e nervosos, mal olhavam para ela. O problema é que os que olhavam, suspiravam assustados e não conseguiam mais deixar de olhar.

– Posso ajuda-la? – perguntou uma mulher muito loira, muito alta e com os sapatos mais altos que Anya já vira. Perto dela que era baixa e usava tênis, a mulher parecia ainda mais gigante. Entretanto, a mulher pareceu-lhe mais simpática do que a recepcionista.

– Vim para uma entrevista de emprego.

– Ah, até que enfim… precisamos de copeiras com urgências… – disse a mulher, tentando ser amigável, embora não tirasse os olhos das cicatrizes de Anya.

– Mas eu não vim para ser cop… – Anya tentou explicar, mas foi interrompida.

– Entre naquela sala e aguarde o senhor Amador… – disse a mulher, apontando para uma porta dupla.

Sem tentar corrigir o mal entendido, Anya se aproximou da porta, abriu-a e invadiu a sala, fechando-a atrás de si. Quando se virou, viu um homem sentado na ponta de uma enorme mesa de reuniões e ele parecia curioso com a sua presença.

– Posso ajuda-la? – disse ele, com uma expressão aborrecida.

Ele era oriental. Anya sabia que Kim Do Jim era oriundo de uma família coreana, mas não imaginava que havia mais empregados dessa estirpe.
A beleza de Kim Do Jin

– Ah… eu vim para a entrevista de emprego … para o cargo de secretária do Dr. Do Jin – completou ela, antes que ele também a confundisse.

– Secretária, é? – perguntou ele, voltando os olhos para os papéis que analisava.

– Você tem experiência?

– Não, senhor?

– Tem referências?

– Também não senhor…

– E o que veio fazer aqui, então, menina? – disse ele, olhando-a de alto a baixo. – Ninguém vem para uma entrevista de emprego como essa, sem um poderoso currículo nas mãos, muito menos vestindo-se dessa forma.

Anya também olhou para o próprio corpo. Vestia calça jeans, tênis e um casaco de moletom com capuz que ainda estava sobre a cabeça. De fato, não era uma roupa adequada para concorrer a vaga de secretaria executiva.

– Você tem algum problema mental, garota? – perguntou ele, rispidamente, ao ver que ela não respondia.

Ela estreitou os olhos, fervendo de raiva e frustração.

– Sim, eu acho que tenho um problema mental. Eu devo gostar de sofrer, pois é só isso o que pessoas sabem fazer comigo: escorraçar-me como se eu fosse um cachorro sarnento. Complete meu dia infernal, convidando-me a sair, por favor, é só o que eu preciso neste momento… – explodiu ela.

Ele também estreitou os olhos, depois sorriu.

– Aparece cada um… – disse ele para si mesmo – Por que veio aqui… realmente? Você deve saber que se apresentado dessa… dessa forma, jamais ganharia um emprego desse calibre. Se esperava ser rejeitada, porque veio?

– De que forma o senhor está falando: das minhas roupas, do meu jeito… ou do meu rosto deformado?

– Do pacote todo, garota… o que esperava? – disse ele, abruptamente. – O emprego de secretária executiva não pede um rosto bonito, mas você precisa estar alinhada.

Anya abriu a boca e depois a fechou. Pelo menos ele fora sincero.

Nem mesmo ela sabia por que estava ali. Ela realmente sabia que seria rejeitada. Sabia que seria humilhada. Sabia que sua feiura lhe roubaria as esperanças. Por que estava ali, então?

A beleza era um monstro que escravizava a sociedade.

– Estou cansada de ter esperanças… – disse ela com uma voz triste e derrotista. Estava tão desanimada que não conseguiu conter seu próprio espírito.

A beleza era o monstro que aterrorizava Anya.

– Por me faltar a beleza, parece que não tenho o direito de viver e sonhar. Estou cansada de pensar que pode haver algo de bom para mim aqui fora… – continuou ela – eu quero que isso acabe… quero finalmente compreender que minha vida está acabada e que a única coisa que me resta é aceitar a bondade de uma pessoa cruel que quer me escravizar… então, por favor, não tenha pena e me mande sair agora. Precisa ser o senhor… Não posso fazer isso por mim mesma… isso precisa acabar dessa forma.

Por fim, a beleza era o monstro que lhe conspurcava a cara e zombava de seu espírito.

Anya não queria chorar, não planejava abrir seu coração daquela forma para um estranho, principalmente, para o chefe de Recursos Humanos de uma empresa que provavelmente a consideraria ainda mais instável para o trabalho, mas ela não conseguiu resistir e lágrimas se formaram em seus olhos.

Ele estava abismado. Olhava para ela, como se ela fosse uma mulher de outro mundo, mas não disse uma só palavra. Parecia consternado, surpreso.

– Não quero uma secretária que fique caindo aos prantos… – respondeu ele, simplesmente, mas parecia estar se divertindo às custas do sofrimento de Anya que se preparava para receber a negativa.

De repente, a porta dupla se abriu e um homem de bigodes surgiu.

– Ah, desculpe pela minha demora, Dr. Do Jin, estava entrevistando uma das copeiras… mas… posso ajuda-la? – perguntou ele quando percebeu a presença de Anya. Seu olhar deteve-se em suas cicatrizes. Seu rosto contorceu-se numa careta de asco, os olhos vidrados no seu rosto deformado.

– O senhor é o Amador? – perguntou Anya, percebendo que o tempo todo estava falando com o próprio Kim Do Jin.

Deveria ter percebido. Como poderia ter sido tão idiota. O rosto dele era conhecido, já vira uma fotografia dele no jornal e se impressionara com sua beleza, por que não o reconhecera? – Eu…… eu… vou embora… eu não deveria estar aqui… eu sinto muito…

– Agora é tarde, mocinha – disse Do Jin com uma voz decidida e firme – Amador, essa é a minha nova secretária. Você estava me pressionando para escolher uma logo e aí está…

– Sua… secretária? – perguntou Amador, olhando Anya de alto a baixo. A falta de beleza de Anya era um fator de contratação na opinião de Amador  – Mas… mas…

– Faça os trâmites… ela começará amanhã… às oito.