Duas Faces no Espelho – 11 – Ir. Ye Soo Jung

Capítulo 11 – Ir. Ye Soo Jung

Tae Gun encostou o Mercedes cinza escuro (seu carro reserva) do outro lado da rua e espiou o enorme asilo que era ligado ao convento da cidade.

Não foi difícil descobrir que Ir. Ye Soo Jung era quem dirigia o local, nem foi difícil descobri-la, afinal, a madre superiora era muito conhecida na cidade.

Contudo, agora que estava ali, não sabia exatamente como agir. De qualquer forma, saiu do carro, atravessou a rua e entrou pelo portão da frente até a Secretaria ou Recepção do lugar.

Havia duas irmãs que cantarolavam hinos da igreja quando ele entrou e pigarreou para chamar a atenção delas.

– Posso ajudar? – disse uma delas.

– Sim, gostaria de ver a irmã Ye Soo Jung.- respondeu ele, firme e decidido.

– Ah, sinto muito, senhor. A irmã Ye Soo Jung só atende o público das onze às duas da tarde. – respondeu a irmãzinha.

Tae Gun deu uma breve olhada no relógio que marcava quase quatro horas da tarde.

– É muito importante que eu a veja – falou ele, num tom melindroso. – É sobre o acidente de … de Ah-Lis, Kim Ah-Lis…! – falou Tae Gun, esperando ver alguma comoção.

– Ah, meu Deus… – suspirou a irmãzinha com os olhos marejados. – O que aquele monstro do marido dela fez dessa vez com a pobrezinha?

Tae Gun arqueou uma sobrancelha. Marido? Ah-Lis era casada. Sim, claro, o policial que os abordara na Delegacia havia falado algo do gênero.

Que Ah-Lis devia ter cuidado para que o marido não a descobrisse ali. Sim. Ah-Lis era casada e pelo jeito, o marido parecia alguém que despertava medo.

– Ah… não. – respondeu Tae Gun, curioso para perguntar mais coisas. Entretanto, era melhor ir a fonte. Era com irmã Ye Soo Jung que esperava falar. – Foi um acidente de carro, mas gostaria muito de poder contar pessoalmente. Ah-Lis me pediu para encontrar Ye Soo Jung. Sou um amigo da família – adicionou antes que ela perguntasse.

A irmã pareceu pensar por uns instantes – vou ver o que posso fazer – respondeu ela, então, saindo por um corredor, deixando Tae Gun sozinho com a outra irmã.

– Eu sou nova aqui – falou ela, tentando ser simpática e agradável – Não conheço a Ah-Lis, mas as irmãs falam bem dela. Dizem que tem uma voz de anjo e adora crianças.

“Voz de anjo e adora crianças”, era bem como ele descreveria a falsa Liz, que era bem diferente a Liz original que não cantava, nem gostava de crianças, mas tinha um verdadeiro dom para pintar.

– Moço… por aqui – Disse a outra irmã, antes que ele pudesse responder algo a simpática irmã.

Tae Gun foi conduzido por um longo corredor escuro até chegar a uma sala em que uma outra irmã, essa bem mais velha, sentava-se do outro lado de uma escrivaninha.

– Vou deixá-los a sós – disse a irmã que o conduzira, fechando a porta atrás dele. Depois disso, Tae Gun deu dois passos e sentou-se numa poltrona em frente a suposta irmã Ye Soo Jung.

Duas faces no espelho Ye Soo Jung
Ir. Ye Soo Jung

– Ir. Clarissa disse que Ah-Lis sofreu um acidente? Ela está bem? Onde está ela?

– Está no hospital, irmã Ye Soo Jung. –respondeu Tae Gun, ansioso para ir direto ao ponto – Ela está bem. Muito machucada, passou por uma cirurgia, mas ficará bem. Mas não vim aqui apenas para avisá-la do acidente.

O cenho da religiosa franziu-se em curiosidade

– Como assim? Para que o senhor veio então..?

– Eu vim para saber quem é Ah-Lis. Afinal, segundo ela mesma disse, a senhora é a única família que ela tem.

– Sim, ela é como uma filha pra mim, pobrezinha. Mas não estou entendendo…? Eu sei quem é o senhor. É Cha Tae Gun Trevor, dono das indústrias Cha. Sua empresa ajuda periodicamente o nosso asilo. Que eu saiba, o senhor não tem nada a ver com Ah-Lis. Então, porque precisa saber quem é ela?

– Ah-Lis tem se passado por minha mulher: Cha Baek Liz-Ah na última semana, Ir. Ye Soo Jung. O problema é que alguém está seriamente tramando contra a vida dela. Então preciso que me ajude, se gosta de Ah-Lis, você precisa me ajudar.

Tae Gun contou toda a história para a irmã. Disse que desconfiava da ‘falsa Liz’ desde o início com o comportamento diferente da verdadeira Liz que era segura, autoconfiante, mas também manipuladora, sarcástica e muitas vezes cruel quando queria.

Irmã Ye Soo Jung escutou a tudo atônita, hora acreditando, ora duvidando de tudo aquilo.

– Acho difícil de acreditar no que o senhor está me dizendo. Ah-Lis é uma mulher muito certinha. Certinha até de mais, pobrezinha. Tem um marido que é difícil de aturar. Eu já tentei ajudá-la, mas a pobrezinha morre de medo dele pois ele é um policial. Eu não acho que ela teria coragem fazer algo assim. Não a Ah-Lis.

– Como assim, Irmã? Eu penso que Liz-Ah deva ter oferecido muito dinheiro a Ah-Lis para que ela possa se passar por Liz-Ah. Com certeza Ah-Lis faria algo assim se precisasse de dinheiro, não? –perguntou ele, tentando compreender sua falsa esposa um pouco melhor.

– É aí que se engana, Sr. Cha. Não que esteja suspeitando da sua história. Com certeza o senhor parece estar sendo sincero, mas Ah-Lis jamais seria capaz de fazer isso. Ela… ela tem problemas… não consegue enfrentar ninguém, nenhuma… nenhuma figura de autoridade. O senhor parece muito… bem, como dizer, alguém que gosta das coisas do seu jeito. Diante do senhor, a Ah-Lis que conheço iria fraquejar e contar toda a verdade.

Tae Gun não pode deixar de lembrar que quando a pressionou, ela chegou a desmaiar nos seus braços, como uma pessoa frágil que irmã Ye Soo Jung agora descrevia. E contou o episódio a religiosa.

– Bem. Sim. Sim. Parece-me com ela. Mas ela não faria algo assim por dinheiro. Por dinheiro nunca. Ela tem princípios. É uma mulher problemática, Sr. Cha. Sofreu muito na vida, a pobrezinha, mas tem princípios.

– Talvez por um outro motivo, então, Irmã, por favor me ajude, o que poderia ter levado Ah-Lis a fazer algo assim?

A irmã pensou por alguns segundos e depois levantou-se olhou pela janela lá para fora onde as crianças brincavam num parquinho.

– Bem… não sei… não sei direito mas… – começou a irmã e depois voltou ao lugar, como se tivesse lembrado de algo importante – Eu sei que Ah-Lis tem uma irmã. É gêmea. Uma vez contei a ela sobre isso. A irmã dela foi adotada, mas não consegui descobrir por quem. Perderam os registros. Fico imaginando se sua esposa, a verdadeira Liz-Ah, não poderia ser a tal irmã gêmea desaparecida?

Tae Gun ficou maravilhado com a informação. Sim, deveria ser isso. Ela era muito parecida com Liz-Ah para ser somente uma atriz contratada para se passar por ela.

– Ela faria alguma coisa assim se sua irmã gêmea lhe pedisse. Isso tenho certeza. – falou Irmã Ye Soo Jung. – E onde está a sua esposa, Sr. Cha. Onde está a Sra. Liz-Ah?

Tae Gun não sabia. Não poderia saber. Mas tinha a desconfiança de que poderia ser Liz naquele carro que os atingira.

Tinha a impressão de que poderia ser Liz quem havia assassinado o próprio pai e agora tentava incriminar Ah-Lis para que fosse presa em seu lugar.

Se Ah-Lis falecesse naquele acidente, então, Liz estaria livre para sempre da acusação que poderia prendê-la por muitos anos se houvesse mesmo a tal testemunha ligando Liz-Ah como mandante do crime. Por isso, Tae Gun contou a irmã também sobre o assassinato de Baek Ha Ri e da acusação a Liz-Ah.

– Eu não sei, irmã… – respondeu Tae Gun, no final do seu breve monólogo. – Mas algo me diz que é minha esposa quem está por trás de tudo. E temo pela vida de Ah-Lis.

– Oh, Deus. – suspirou a irmã Ye Soo Jung, percebendo toda a situação – Fico feliz de que, pelo menos, o senhor acredita na inocência de Ah-Lis, Sr. Cha. Eu posso lhe garantir que Ah-Lis é uma das melhores pessoas que já conheci em toda a minha vida.

– Mas a senhora disse que ela tem problemas… – falou Tae Gun, curioso para saber mais sobre a tal Ah-Lis.

– Bem, não sei se deveria estar comentando isso, mas espero que isso possa ajudar a convencê-lo de que Ah-Lis só pode ser uma vítima nessa história toda: Ah-Lis nasceu para ser uma vítima e temo que o será por toda a vida.

– Como assim? – perguntou ele, tomado pela curiosidade.

– Ela sempre foi tão sonhadora, tão feliz, tão cheia de vida enquanto era uma criança. Um casal interessou-se por ela e a pobrezinha encantou-se: queria uma família.

– É o que quer a maioria das crianças abandonadas, não? – perguntou ele, quase entendendo de antemão o que poderia ter acontecido.


– Bem, o caso é que o casal tentou adotá-la por quase um ano. Eu achei que ela seria feliz tendo a família que sempre quis, mas o homem que a adotou revelou ser um verdadeiro monstro. Estuprava-a com frequência, durante dois anos, mas ela ficou calada o tempo todo. Sua sorte foi que uma assistente social percebeu manchas roxas na sua perna, entre as cochas.

Ghim trên snap snap

– Ah, meu Deus. – falou Tae Gun, enojado.

Aquilo parecia uma novela, coisa distante. Assistia a casos frequentes de crianças que sofriam abuso, mas nunca havia conhecido ninguém que verdadeiramente havia passado por algo assim.

Isso explicava muito do comportamento de Ah-Lis que parecia tão frágil, prestes a desabar ante qualquer olhar mais duro.


– Ela voltou para o asilo com problemas sérios. Não falava, ficava o tempo todo quieta. Eu levei-a ao médico, psicólogo, fonoaudiólogo e nada. Mas então, um dos meninos mais velhos começou a fazer amizade com ela. Eles andavam juntos para todo o lado e Ah-Lis voltou a ser um pouco do jeito que era antes de toda aquela sujeirada com ela ter acontecido. Eu me senti muito culpada pelo que aconteceu com ela, e tentei ajudá-la de todas as formas possíveis. Ela estudou, fez faculdade, passou a trabalhar como professora enquanto namorava Tae Hoon.

– Kim Tae Hoon? – perguntou Tae Gun e a irmã balançou a cabeça positivamente.

– Não que ele tenha sido um menino ruim. Não foi. Ele era bom, no início. Foi bom para ela durante muito tempo, sabe? Mas ele entrou pra polícia. Viu umas coisas que o abalaram. Nem todo o mundo tem perfil para ser policial, não é? E também, a mãe dele foi assassinada quando ele tinha seis anos. Ele assistiu a tudo. O pai que matou e depois se matou. Acho que isso o marcou. Eu não sei direito. Só o que sei é que as vezes Tae Hoon é bom, e as vezes ele é o próprio demônio. O problema é que Ah-Lis já estava com problemas, muito dependente dele. Não consegue enfrentá-lo, não consegue enfrentar a situação e tem o fato de ele ser policial. A pobrezinha está sempre entre a cruz e a espada e eu não sei o que fazer para ajudá-la.

– Por que não o denuncia? – falou Tae Gun, não acreditando que a moça poderia ser uma vítima daquela forma duas vezes na vida sem lutar para se libertar.


– Não é assim que funciona aqui na Coreia. Ah-Lis é de maior. É ela quem precisa fazer isso. E ela até já tentou. Foi na delegacia, prestou queixa e tudo, mas uns policiais sacanas a pressionaram e ela voltou atrás, com medo e até se cortou, acho que estava tentando o suicídio. Kim Tae Hoon ficou tão furioso que a prendeu na cama com algemas por quase um mês.

– Eu não acredito. Não consigo acreditar. Ninguém fez nada? – perguntou Tae Gun, sentindo um misto de raiva com injustiça crescer no próprio peito.

– Bem, ela faltou no trabalho. Então a diretora da escola onde Ah-Lis trabalha ligou pra casa dela e depois ligou pra mim. Ela também sabia da situação de Ah-Lis. Nós duas nos encontramos e fomos até a casa de Ah-Lis. Nós invadimos a casa pela janela dos fundos. Ela estava lá na cama, algemada, desmaiada, nua e cheia de hematomas pelo corpo, sem comer ou beber sei lá a quanto dias, fazia suas necessidades em um balde, sem nem poder se limpar. Deus… até hoje fico arrepiada com o que vi naquele dia.

– E o que vocês fizeram?


– Nós chamamos a polícia, é claro. Mas vieram quatro policiais do setor em que Tae Hoon trabalha e nos expulsaram da casa.

– Não posso crer!

– Sim, ameaçaram eu e a Ko Eun Min, a diretora da escola de Ah-Lis. Chegaram a dar um chute na Ko Eun Min quando nós dissemos que não íamos sair dali. Fomos obrigadas a deixar a pobrezinha naquele estado, mas quando eu e a Ana estávamos planejando ir na polícia da cidade vizinha, Ah-Lis nos deu um telefonema. Disse que estava melhor, que Kim Tae Hoon a tinha libertado. Ela implorou para que nós não fizéssemos mais nada. Que aquilo só ia piorar a situação dela.

– E o que vocês fizeram?

– Nada. Ela brigou com a gente, disse para deixá-la em paz. Depois disso ela ficou quase três meses sem aparecer aqui, sabe. Eu não sabia o que fazer. Ligava, passava na frente da casa dela, pedia para a Ko Eun Min dar uma olhada nela na escola. Ela veio voltando aos poucos, depois. Eu perguntava como as coisas andavam e ela sempre me dizendo que estava tudo bem. Que as coisas estavam melhores.


– E estavam?


– Claro que não, Sr. Cha. Manchas roxas surgindo pelo corpo. Num dia, ela chegava mancando. No outro, vomitava sangue. No outro, um corte horrível na cabeça. Sempre a mesma história. Que estava tudo bem. Que não me preocupasse. E se insistia para ela ir ao hospital ou procurar ajuda ela sumia um mês. Daí parei de tentar.


– Não dá pra acreditar numa coisa dessas. Pobre moça! Não dá pra acreditar que uma mulher passe por uma coisa assim nos dias de hoje. Simplesmente não dá. – falou Tae Gun, revoltado.

– Ah, Sr. Cha. – falou a irmã, meneando a cabeça – Há muitas mulheres que passam o inferno nas mãos de seus maridos. Muitas delas tem vergonha de admitir que são torturadas, outras tem medo. No caso de Ah-Lis, acho que o padrasto dela quebrou algo dentro dela. Fez ela ser assim, submissa. Kim Tae Hoon só soube aproveitar.

VOICE] Is domestic violence taken seriously in Korea?

– Imagino que sim – concordou Tae Gun, sentindo-se mal por Ah-Lis.

– E se estou lhe contando isso, Sr. Cha, é porque espero que o senhor possa fazer algo por ela. Eu sei quem o senhor é. Sempre escuto os noticiários. Sei que o senhor comanda a sua empresa com mão de ferro e é criticado por ser tão autoritário, mas também conheço muitos funcionários seus que admiram o senhor. Dizem que é um homem justo. Eu quero acreditar que Deus finalmente tenha visto tudo o que essa menina tem passado e que o tenha colocado na vida da pobre Ah-Lis para que o senhor a proteja. É seu dever, agora que sabe de toda a história e que é seu cunhado. Vai ajudá-la, não vai? – disse a irmã, encarando-o com um olhar inquiridor.


– Sim, claro, irmã Ye Soo Jung. Tenha a certeza absoluta de que farei tudo para mantê-la a salvo do psicopata do marido dela e da minha esposa também, caso ela esteja por trás disso tudo, e obrigada por ter confiado em mim com essas… essas informações.


– Ótimo… agora me diga onde Ah-Lis está… – falou a irmã, levantando-se, pegando as chaves de um carro sobre a mesa. – Preciso vê-la. Tenho certeza de que ela precisa de mim agora.


– Irmã… também tenho certeza de que Ah-Lis ficaria muito feliz em vê-la. Ela sussurrou o seu nome depois do acidente, mas acho que o melhor agora é deixá-la no papel que está vivendo antes de sabermos mais sobre o que está acontecendo.


– Mas… bem, agora que o senhor descobriu, eu achei que…

– Irmã… precisamos pegar o responsável pelo acidente. E se ela souber que eu sei de toda a verdade, temo que não será capaz de continuar com o papel, se conheço um pouquinho de Ah-Lis.


– Mas não é perigoso? Se alguém está tentando matá-la… – falou irmã Ye Soo Jung.


– Sim, é, sim. Mas tenho pessoas que estão cuidando da proteção de Ah-Lis. E por agora, é preciso que ela continue sendo Cha Baek Liz-Ah.  Até tudo isso acabar, Irmã… é só até todo esse pesadelo acabar…