Duas Faces no Espelho – 19 – Caos

Tae Gun olhava para o antigo relógio de parede quando os três ponteiros se juntaram à meia-noite e a primeira badalada soou.

No mesmo instante, algo aconteceu: as luzes todas se apagaram. Enquanto todos se perguntavam o que estava acontecendo, um estampido forte se fez ouvir e a porta do hall de entrada simplesmente veio abaixo. 

– Polícia!!! – um grito soou e alguns homens invadiram a sala.  Sun Doo Yo e os dois homens encapuzados alcançaram seus rifles e o tiroteio começou.

Compreendendo imediatamente a situação, Tae Gun forçou todo o corpo para trás e derrubou o sofá. Han Kyo, Eun-Na e o bebê caíram desajeitados, sem entender o que estava havendo. O sofá virado salvou-os de alguns tiros, tempo suficiente para Tae Gun proteger  a babá Eun-Na e o bebê que chorava copiosamente e arrastá-los dali pelo corredor que terminava na cozinha.

– Han Kyo, vem! – chamou Tae Gun ao ver que o cunhado ainda estava ficando para trás. Alguma coisa o detinha. – Eun-Na, vai na frente… salva o bebê e vai…vou atrás do Han Kyo.

Tae Gun ficou observando Eun-Na se afastar por alguns segundos e virou-se para voltar.

A sala estava mergulhada no caos: escuridão que só era intercalada por flash de tiros a esmo. Havia um homem gritando, mas Tae Gun não conseguia descobrir se era um policial ou um dos bandidos.

Na Kyo gritava alguma coisa também, em algum ponto, mas ele não conseguia escutar direito o que ela dizia por causa dos disparos. 

Agachado, Tae Gun aproximou-se de Han Kyo, apalpando-o. Ele estava deitado de barriga para o chão.

Temendo pelo pior, Tae Gun o virou. Mesmo naquele breu, a tênue luz que vinha de uma das janelas e os flashes dos tiros foram o suficiente para que Tae Gun detectasse a ferida: uma bala havia atingido Han Kyo na cabeça.

Ele morrera instantaneamente.

———————

– NÃO!!! NÃO!!! – gritou Liz-Ah desesperada ao ver a imagem noturna no monitor que ela e Park Hae Soo vigiavam: Han Kyo estava morto! – Não, não pode ser!!!

Ela abriu a porta da Van e correu em direção a Mansão. Antes mesmo de entrar nos jardins, alguma coisa a atingiu e ela caiu. Debateu-se para virar e estapeou quem a atingira: era o policial Park Hae Soo.

– Largue-me… meu irmão… meu irmão… – choramingou Liz-Ah, mas o detetive a segurava firmemente em seus braços.

– Seu irmão está morto! E se você entrar lá vai morrer também, moça. Então você vai ficar aqui, porque eu estou mandando!!! – falou Park Hae Soo de forma incisiva. Liz-Ah parou de resistir, mas debulhou-se em lágrimas.

– Não pode ser… não pode ser…Ele é a única pessoa que eu tenho no mundo… não pode ser… diga que não é verdade. Diga que ele está bem…

– Eu não sei senhora, Senhora!

Liz-Ah sentou-se e abraçou o policial Park Hae Soo, enterrando o rosto em seus braços.

– Eu causei tudo isso! Se eu não tivesse trocado com Ah-Lis, ele ainda poderia estar vivo! Eu matei meu irmão. Matei meu irmão!

Park Hae Soo envolveu Liz-Ah para tentar confortá-la. De onde estava, Park Hae Soo podia ver os flashes de tiros na sala de estar pela janela.

Aquela ação não fora tão bem sucedida quando esperava, mesmo com a ajuda de Ah-Lis. Só esperava agora que ela o tivesse obedecido.

O combinado era que, depois de desligar as luzes para facilitar a invasão exatamente à meia-noite, Ah-Lis fugiria da mansão e ficaria a salvo.

Isso, entretanto, estava longe de acontecer. 


—————————-


Tae Gun Jr. Choramingava no colo de Eun-Na que, desesperada, corria em direção a porta dos fundos. Antes que pudesse chegar até a saída, contudo, viu que a cozinheira e duas empregadas jaziam mortas no chão.

Eun-Na estava se perguntando antes se elas haviam escapado, mas aí estava a resposta. Com apenas 19 anos, Eun-Na nunca antes tinha visto alguém morto e a imagem de três pessoas mortas a travou. Estava ali, parada, com o bebê na mão, quando alguém a envolveu.

A princípio, Eun-Na gritou, mas ficou aliviada ao ver que eram dois policiais que haviam dado a volta e entrado pelos fundos.

O acesso pelos fundos não era assim tão fácil.

Por um lado havia o labirinto verde que fazia qualquer um se perder e por outro o caminho era muito longo, pois era a parte mais complexa da mansão com dois muros de cerca viva, por onde os policiais haviam vindo.

– Oh, graças a Deus. – falou ela.

– Venha comigo, senhorita!  – falou um dos policiais, conduzindo Eun-Na para fora.

O outro policial correu em direção a sala, mas antes que pudesse entrar no breu e no caos que a envolvia, uma bala veio em sua direção e o policial caiu morto no mesmo instante.

————————

Tae Gun estava pensando em retomar o corredor que dava para a cozinha, mas quando viu um policial ser atingido antes mesmo de chegar a sala, achou melhor continuar agachado atrás do sofá, observando a fonte daquele tiro.

Mais alguns flashes apareceram em pontos diferentes da sala. Tentando ler aquele caos, Tae Gun pensou que para o lado da porta da frente, duas pessoas – dois policiais, provavelmente – atiravam.

Alguém atirava de algum ponto perto de onde Tae Gun estava e ele imaginou que fosse Sun Doo Yo ou um dos bandidos. Havia outro ponto, mais distante onde outro bandido atirava.  Na Kyo chorava e xingava em algum lugar no meio da sala.

“Minha perna”, parecia estar dizendo ela.

No corredor por onde Eun-Na havia fugido, vinha uma luz de algum lugar. Aquela luz permitiu um dos bandidos ver a silhueta do policial.

Então, se fosse por ali, alguém o veria. E se tomasse outra direção? Talvez a escada para o segundo andar?

Tae Gun começou a se movimentar ainda agachado. Ao chegar ao pé da escada, subiu os degraus como um gato até ter certeza de que ninguém poderia vê-lo ou prestar atenção nele.

Foi em direção ao quarto de Ah-Lis imediatamente. Precisava vê-la, mesmo que fosse uma última vez. Antes de abrir a porta, segurou a respiração e se preparou.

Assustou-se. Estava escuro ali também, mas não tanto. Mesmo no breu, conseguiu perceber que o quarto estava vazio. Foi ao closet e ao banheiro. Havia um cheiro ácido no ar, mas não havia nenhum corpo. E se…?

Não. Tae Gun não poderia se iludir. Talvez Na Kyo a tivesse assassinado em outro lugar da casa. Agora não poderia sair procurando.

Não podia simplesmente imaginar que ela tivesse vomitado o maldito veneno e estivesse, como num milagre, caminhando viva por aí. Até porque, aonde Ah-Lis iria?

Uma rajada de vento assolou seu rosto. Lá fora, a chuva começava a engrossar. Foi então que se deu conta de que a janela do quarto estava aberta.

Aproximou-se do parapeito. E se….?

Não, estava se auto iludindo. O segundo andar ficava a uma distância considerável do chão para uma garota pular.

Debilitada, com um dos braços engessados, acometida com veneno, Ah-Lis jamais seria capaz de realizar tal ato.

Não a Ah-Lis. A pobre moça que aprendera tanto a conhecer. Mesmo que ela tivesse sobrevivido ao veneno, Ah-Lis estaria tremendo encolhida em algum canto, rezando para que alguém a ajudasse.

Observar a noite lá fora, deu-lhe a ideia de pular, o que parecia ser a única alternativa de fuga daquele caos havia se instaurado em seu lar.

Ele mesmo pulou a mureta, equilibrou-se no parapeito e, mirando a árvore, pulou. Com maestria, seus pés apoiaram-se nos galhos e ele pulou da arvore, alcançando o chão, sem se sujar muito.

Dali tinha duas alternativas: entrar no labirinto para sair pelos jardins da frente ou dar a volta pelo outro lado.

Era mais rápido tentar o labirinto, mas resolveu ir para o outro lado. Era por ali que Eun-Na sairia se tivesse conseguido e precisava checar seu filho.

Caminhando  naquela direção, passou pela janela do porão e percebeu que havia sido quebrada. Talvez um policial tivesse entrado por ali. Talvez até um dos bandidos. Não parou para descobrir e seguiu em frente.

————-


Ah-Lis sentiu uma sombra passar pela janela do porão e olhou para fora. Estava tão escuro ali dentro que lá fora parecia ser quase dia. Olhou atentamente, mas pensou que não era nada e voltou a apurar seus ouvidos para o que acontecia lá em cima, dentro da mansão.


Estava impaciente. O policial Park Hae Soo dera-lhe a ordem de sair do porão e fugir para longe da mansão, mas Ah-Lis não podia simplesmente fugir quando Tae Gun e o bebê pudessem estar em perigo.

Resolveu então subir.

A porta do porão era uma das portas do corredor que dava por um lado na cozinha e do outro na sala de estar. Estava muito escuro. Não conseguia divisar nada na sala. Com cuidado, escorando-se na parede, foi se aproximando, tentando ver algo, tentando ver Tae Gun.

Um vulto se agigantou no fundo do corredor em direção a ela.

– Tae Gun? – sussurrou ela, rezando para que fosse ele. Mas o vulto não pronunciou nenhum som e continuou a se aproximar.

O coração de Ah-Lis disparou e ela deu dois passos para trás. Pensou em fugir, em retornar para o porão. Virou-se para correr, mas dois braços a seguraram e a empurraram contra a parede.


– Ora, ora!!! Você é teimosa, moça… já devia ter morrido, não?

Ah-Lis reconhecia aquela voz. Era Sun Doo Yo. Ele a segurou com uma das mãos e abaixou a outra, percorrendo por seu corpo. – Você ferrou comigo, agora chegou a vez de ferrar com você, garotinha!!!

Ah-Lis virou-se, empurrando Sun Doo Yo com toda a sua força. Levantou o braço direito, o que estava engessado, e bateu com o gesso na cabeça de Sun Doo Yo.  Aquilo não foi uma boa ideia. Sentiu alguma coisa se partir novamente dentro do gesso e uma dor percorreu pelo seu braço até atingir o ombro.

Contudo, apesar da dor, o golpe surtiu algum efeito, pois Sun Doo Yo cambaleou.

Aquilo foi o suficiente para Ah-Lis se afastar. Ela desceu as escadas do porão correndo e aproximou-se da janela.

Apoiou-se na beirada e enfiou-se pelo buraco da janela quebrada, tentando chegar ao outro lado. Quando estava quase lá fora, sentiu uma mão agarrar um de seus pés.

Ela foi puxada com violência para dentro, mas antes de cair, segurou-se na beirada. O vidro quebrado machucou suas mãos, mas Ah-Lis segurou-se com força e chutou Sun Doo Yo.

Como ele a largou, Ah-Lis deu um impulso e subiu, desajeitada.

– Socorro! Socorro! – Ah-Lis gritou, na esperança de que algum policial a tivesse ouvido.

Ela fez menção em correr em direção aos fundos da casa e dar a volta pelo lado inverso ao do labirinto para sair dali, mas antes que pudesse ir naquela direção, Sun Doo Yo saiu da janela, colocando-se no seu caminho.

Ah-Lis não teve outra solução a não ser correr noutra direção: para o labirinto verde.


Já estivera ali antes, passeando, conhecendo a casa. Não era um labirinto tão difícil, era até divertido e bonito passear por ali.

Mas naquela noite, com a chuva banhando seu rosto, com o frio assolando seu corpo já debilitado e com a pressão de estar sendo perseguida por um bandido, Ah-Lis tinha medo de não conseguir achar a saída.

Bastou alguns segundos para perceber que não tinha a mínima ideia do caminho.

– Impostora!! Impostora!!! – Ah-Lis escutava a voz sibilante e debochada de Sun Doo Yo chamando por ela, cada vez mais perto. – Vou adorar retalhar você…

Ele gargalhava. Mesmo debaixo da chuva, aquelas gargalhadas pareciam se espalhar por todo o labirinto.

Ah-Lis cambaleou. Não podia parar. Apoiando-se na mureta viva, Ah-Lis forçava um passo atrás do outro. Estava cansada. Seu coração parecia querer sair pela boca e sentia-se mal. 

A respiração cada vez mais pesada.

“Ah, Deus, agora não, dai-me forças, meu Deus…”, dizia  a si mesma. 

Virou num curva e parou. O caminho estava fechado. Voltou desesperada para tentar achar uma outra saída, mas Sun Doo Yo estava lá, com um sorriso retorcido no rosto novamente colocando-se em seu caminho.

– Eu poderia te dar um tiro. – Falou ele, com um tom de voz gutural. – Mas isso seria fácil demais. Por sua culpa, perdi milhões…

Ele tirou uma faca de dentro da roupa e se aproximou dela. Ah-Lis ficou ali parada, esperando ele se aproximar.

Quando Sun Doo Yo estava a um metro, tentou desferir o golpe, mas Ah-Lis desviou e usou o seu corpo para empurrá-lo. Sun Doo Yo caiu sobre a mureta e deixou cair a faca em algum lugar.

Mesmo assim, pulou em cima dela e passou a desferir golpes em seu rosto. Sun Doo Yo respirou fundo e levantou bem o braço, pronto para desferir um golpe fatal.

Ah-Lis fechou os olhos e esperou, mas nada a atingiu. Quando abriu novamente os olhos, viu que Tae Gun segurava o braço de Sun Doo Yo.

– Larga ela! – falou Tae Gun, ele mesmo atingindo Sun Doo Yo no queixo.

Os dois começaram a lutar e foi brutal. Tae Gun estava obtendo vantagem, quando Sun Doo Yo sacou um revólver e atirou nele. Ah-Lis gritou ao vê-lo cair no chão.

Tae Gun levou a mão ao ombro. O sangue fluía de algum ponto. Levantou os olhos para Sun Doo Yo. O bandido sorria e apontava a arma para ele.

Era o fim. A morte sorria para Tae Gun e ele sabia que não havia mais nada que pudesse fazer. Esperou o tiro derradeiro quando Sun Doo Yo fez uma careta de dor e caiu de bruços.

Nas costas de Sun Doo Yo, uma faca estava cravada. Contra a luz da lua, a figura de Ah-Lis apareceu, as mãos ensanguentadas, a camisola suja e rasgada, os cabelos e o corpo ensopado.

Era uma figura miúda, baixinha, frágil. Entretanto, ela enfrentara o próprio Golias e o matara.

Ah-Lis matara Sun Doo Yo, matara Sun Doo Yo para salvá-lo. Ah-Lis enfrentara a morte, enfrentara a dor, enfrentara tudo para salvá-lo… até mesmo suas crenças morais.

– Eu tive que matá-lo – falou Ah-Lis, num tom de voz diferente. Ela estava triste e desabou no chão, sentada, o rosto enterrado nas mãos. Ela tremia e Tae Gun não sabia se era de frio, de medo, de horror…

Tomado de compaixão, Tae Gun se aproximou de Ah-Lis e a abraçou.

A princípio, ela se enterrou no peito de Tae Gun, abraçando-o também.

A chuva caía sobre ambos e o frio parecia piorar naquela noite de caos e escuridão mas envolvidos naquele abraço, o calor de um parecia irradiar ao outro e a dor que ambos sentiam em seus corpos pelos ferimentos causados parecia amenizar.

Depois de alguns segundos, Tae Gun levantou o queixo de Lex, e lenta e suavemente, aproximou seus lábios dos dela.

Ele percebeu que ela havia segurado a respiração, mas não parecia estar afastando-o, pelo contrário, ela ansiava por aquele contato, tanto quanto ele.

Seus lábios se tocaram de mansinho e Tae Gun e Ah-Lis fecharam seus olhos. Tae Gun a puxou para mais perto de si e acariciou seus cabelos molhados. 

Tinha medo de machucá-la, tinha medo de assustá-la, mas Ah-Lis havia se entregado completamente ao beijo.

E naquele momento mágico, de amor, carinho e ternura sem par, coisa que Tae Gun jamais havia provado de outra mulher, ele soube, tão certo como nunca estivera antes que ele a amava…

Ele amava a irmã de sua esposa…