Os filhos do mal – Cap 1 – Lua Cheia

Disclaimer: Essa fanfic não é recomendada para menores de 18 anos: cenas de sexo, tortura, drogas e palavrões.

Ji Han Kio olhou para o alto e contemplou a lua cheia. Era uma noite belíssima. A chuva da semana anterior tinha finalmente dado trégua a um céu limpo, com algumas estrelas visíveis entre nuvens que podiam encobrir o luar. Mas não agora. Agora, a lua iluminava a praia de Incheon e a grotesca cena de crime armada ali.

Han Kio queria manter seus olhos para a bela lua e esquecer o horror que havia em seus pés, mas seu trabalho era verificar com cautela todo o lugar, para ter certeza de não ter deixado nada para trás.

O cheiro forte de carne em decomposição se misturava ao de lírios.

Que doente mata uma jovem de quinze anos, desmembra seu corpo e enterra os pedaços em covas rasas à beira da praia? Para completar a estranha cena, lírios brancos acompanhavam cada pedaço do corpo, enrolado em sacos de lixo pequeno.

lirio lua cheia

– Minha teoria é que o cara usa as flores para encobrir o cheiro. – divagou Kim San Joo, um dos legistas. – Por que a imprensa não chama o maluco de o “Psicopata das flores” ao invés de o “Psicopata da lua cheia”.

Na lua cheia, somente nas três primeiras noites, os corpos apareciam.

No início, parecia apenas coincidência, mas agora estava muito claro que tudo o que o psicopata fazia era estranhamente calculado.

Inclusive, as descobertas, feitas sempre por um ciclista, um jogger, um turista caminhando pelas ruas ou praias de Incheon.

Kim Sam Joo, Legista da Equipe Forense.

– Acho que pode ter alguma razão pois os lírios significam pureza e inocência. – conjecturou Han Kio, enquanto olhava a bela flor amassada no saco de lixo que envolvia uma das mãos da vítima. – Talvez seja alguma mensagem do assassino –

– Como sabe disso? – perguntou Sam Joo, enquanto cheirava uma das flores de lírio.

Han Kio não pode deixar de pensar no funeral de sua mãe. Seu pai adornou o altar com a urna da mãe com vários lírios brancos, iguais ao que o assassino utilizava.

Depois de lembrar do olhar triste de sua mãe na foto do funeral, Han Kio balançou a cabeça para afastar aquelas amargas recordações e voltou a se concentrar na cena do crime.

Funeral da mãe de Han Kio.

– É a Saruto Maike? – perguntou Han Kio, torcendo para que não fosse.

Saruto Maike era filha de um grande empresário japonês. O sequestro da garota acontecera há duas semanas atrás. A suspeita é de que fosse o psicopata da lua cheia, pois ele costumava deixar um pequeno tufo de cabelo amarrado com um fio barbante de cor vermelha no local de onde ela foi vista por último.

O barbante era muito comum, por isso, não dava para rastrear. Poderia ser qualquer um. Ela até mandou dois detetives de sua equipe para ir a uma fábrica de barbante, mas a lista de compradores era imensa, fora os compradores a varejo que compravam nas pequenas lojas de artesanato, sem apresentar documentos.

Afinal, quem é que pedia documentos a um comprador de novelo de barbante?

De qualquer forma, o embaixador do Japão iria surtar se fosse Saruto Maike. Já havia surtado quando a garota desapareceu. Se fosse uma coreana, aposto que o esforço para encontrá-la, seria bem menor. Mas com a pressão do embaixador, o comandante havia surtado e dado ordens para recuperar Saruto de qualquer maneira.

Han Kio havia ido a escola de Saruto, entrevistara suas melhores amigas e não havia encontrado nada.

– Uhm… ainda é cedo para saber se é a Saruto. Só saberemos depois de verificar as digitais e o DNA, mas eu poderia apostar que não: a Saruto tinha 1,45… o pé que eu encontrei era de uma pessoa que calçava 260 a 265. Saruto calçava 220 (tamanho 33/34 no Brasil).

Aquilo era bom e não era ao mesmo tempo. Por que poderia indicar que Saruto ainda estava viva, o que ela tinha esperanças de ser verdade.

Entretanto, as chances não eram boas.

Cena de Crime numa das Praias de Incheon (perto de Seul)

O “psicopata da lua cheia” nunca ficava com uma de suas vítimas depois da terceira lua cheia. Todos os meses, 3 corpos apareciam da mesma forma. Desmembrados em sacos de lixo. Cada corpo aparecia em uma noite. Sempre as três primeiras noites de lua cheia. Duas noites já tinham passado, faltava apenas a terceira. E faltava somente Saruto Maike.

“Na lua cheia, os loucos perdiam o controle… “, uma mulher respondeu a ela, numa dessas entrevistas feitas com testemunhas.

As testemunhas eram sempre pessoas que esbarravam “coincidentemente” com alguma parte do corpo das vítimas.

Parecia apenas relaxamento na hora de se livrar dos corpos, mas agora Han Kio sabia que era tudo muito bem calculado.

Os corpos eram limpos exageradamente com uma solução de acetona com detergente. O psicopata drenava o sangue de suas vítimas que morriam vagarosamente por dias. Depois, seus corpos eram desmembrados com alguma serra elétrica de alta precisão. Os cortes eram dignos de um grande cirurgião, pois eram nas entrâncias das articulações, o que sustentava uma das teorias de que o psicopata era um médico.

Entretanto, todos os médicos dos hospitais públicos e privados da região foram cuidadosamente investigados e descartados como suspeitos, por conta de suas agendas.

Depois disso, surgiu a teoria de que o psicopata era um corretor da bolsa de valores. Isso porque 3 das vítimas eram investidoras numa mesma corretora de valores. Entretanto, todos os funcionários e investidores foram investigados e descartados.

Por último, a equipe de investigadores, quase 30 a essa altura, estava concentrada em investigar professores, já que as duas últimas vítimas eram alunas da escola Veritas Incheon High, uma escola de elite para alunos de ensino médio, onde Saruto também estudava.

Quando parecia que havia uma relação, o assassino mudava o perfil de suas vítimas.

Entretanto, eram sempre garotas ou garotos jovens. O mais velho foi um homem de 28 anos, mesma idade de Han Kio, que era gay e trabalhava como profissional do sexo.

O psicopata não abusava sexualmente de suas vítimas. O objetivo era sempre o mesmo: matar e desmembrar. Ele sequestrava suas vítimas uma a duas semanas antes de seus corpos serem encontrados. Fazia um corte pequeno na área do pescoço e dos pulsos. Talvez ele as pendurasse como porcos a sangrar, porque havia marcas nas costas das vítimas, como se elas ficassem suspensas, presas com algo como couro, pois um pequeno fragmento de elástico e couro foi encontrado numa das vítimas.

Talvez por descuido, talvez por querer. Não dava para saber se as pistas encontradas eram descuidos ou alguma mensagem do maluco.

Entretanto, o psicopata tinha adoração por limpeza, então Han Kio duvidava que fosse por descuido.

– Detetive Ji! Detetive Ji!

Han Kio deu um muxoxo quando seu chefe, Song Yong Ko apareceu na cena do crime. Ele era um dessas pessoas incompetentes que só era promovido por conta de influência política.

Por conta de Song Yong Ko, informações importantes haviam sido liberadas para a imprensa, só porque ele achou que ficaria bem numa entrevista.

Depois que ela lhe deu uma bela bronca, junto com o promotor Bae Dong, Song Yong Ko colocou-a como a principal responsável pelas investigações.

lua cheia
Song Yong Ko, Chefe do Departamento de Homicídios da Política Metropolitana de Incheon

Só que já era tarde, uma série de provas haviam sido contaminadas, os relatórios das primeiros corpos encontrados eram desleixados, a investigação foi conduzida de forma desorganizada. Agora havia sobrado para ela resolver toda aquela bagunça.

Ji Han Kyo se tornou policial aos 19, fez os testes para a investigação aos 23 e desde então, se tornara detetive de homicídios. Mesmo sendo a policial mais jovem de seu setor, era uma das mais experientes, pois a maioria dos policiais não ficavam ali por muito tempo.

Por isso, foi fácil para ela se tornar a responsável das investigações, pois todos os outros detetives a respeitavam muito.

O difício era lidar com Song Yong Ko que só aparecia nas cenas quando havia imprensa por perto e quando dava entrevistas falava demais e assinava com sua postura o ‘certificado de incompetência’ que a imprensa adorava dar à polícia.

Por isso, Han Kio havia dado ordens para que seus investigadores evitassem dar informações importantes a Yong Ko, pelo menos, nada que pudesse prejudicar o andar da investigação.

Song Yong Ko não era burro, pois ao perceber que as informações não chegavam a ele como antes, começou a aparecer sempre nas cenas de crime e a exigir os relatórios antes de serem encaminhados para a promotoria para ver se havia mais informações que ele pudesse usar.

Han Kio não entendia porque ele se prestava a esse papel. A imprensa não era condescendente porque ele era sempre pintado como o chefe incompetente da polícia que era facilmente manipulado pelo psicopata.

Entretanto, a resposta era quase óbvia.

Song Yong Ko fazia parte do partido conservador. E precisava aparecer sempre na TV para que quando lançasse sua candidatura, ele conseguisse votos o suficiente para elegê-lo vereador de Incheon.

Por isso, ele precisava emplacar um sucesso. Motivo pelo qual havia colocado Han Kio na chefia das investigações, já que a taxa de sucesso de Han Kio era a melhor de todo o departamento de homicídios.

Mesmo assim, ele pediu primeiro a Baek Ha Ri, um detetive de quase 50 anos que era muito competente. Por infelicidade, a esposa de Ha Ri sofreu um acidente e ele havia pedido um afastamento, por estar psicologicamente abalado. Depois disso, ela era a escolha certa. Na verdade, Han Kio sempre fora a escolha certa.

Só ela não sabia disso.

– O que quer, chefe? – perguntou ela fechando o casaco de couro preto para se proteger do frio da madrugada, quando Song Yong Ko chegou mais perto dela, pisando sobre uma das covas rasas desajeitadamente. – Cuidado com o pé.

– Queria saber se há informações novas. Foram encontrados lírios novamente, é? – perguntou ele, tirando o pé da cova. Havia uma pegada naquela cova. Por sorte, o legista havia tirado foto antes do atrapalhado Yong Ko destruir aquela evidência.

– Sim, chefe… imagino que seja para disfarçar o cheiro. – mentiu ela, omitindo sua teoria sobre o lírio ser uma mensagem do psicopata. – Esse corpo já estava morto há alguns dias. Talvez uma semana.

– E é da Saruto? O pai da Saruto é muito rico. Vai ficar em cima do embaixador e o embaixador vai ficar em cima do Comandante. E eu sou o próximo da fila… o que significa que você…

– Precisamos fazer o exame de DNA para termos certeza. Por enquanto, é melhor dizer para a imprensa que ainda precisamos coletar informações.

– Deixe que da imprensa eu cuido! – declarou ele, orgulhoso.

Será que ele tinha ideia do quão idiota ele parecia na TV quando ficava confuso e liberava informações que ainda precisavam ser investigadas?

Assim que Yong Ko saiu do perímetro cercado, um bando de jornalistas o cercava e ele começou a falar para as câmeras.

– Preciso dos exames da vítima o mais rápido possível. – ordenou Han Kio, afastando-se lentamente – E faça os exames toxicológicos, Sam Joo.

– Certo, chefe… – respondeu o legista. Han Kio já estava quase saindo do perímetro cercado quandoo ele deu um berro – chefe… vem aqui, por favor.

Ji Han Kio – Chefe das investigações sobre o “Psicopata da Lua Cheia”

San Joo havia encontrado a cabeça da vítima em outra cova perto de onde o pé havia sido encontrado. Enquanto se aproximava, Han Kio rezava para que não fosse a cabeça de Saruto, pois aquilo iria acabar com o seu limitado descanso.

– O que foi? É a Saruto – perguntou ela, com um olho em San Joo e outro em Yong Ko que esticava o pescoço na direção de Han Kio, imaginando o que ela havia encontrado.

– Não… mas tem uma coisa dentro da boca… – disse o médico forense.

Segurando aquela cabeça decepada com uma das mãos, o legista usou uma pinça para retirar de dentro da boca entreaberta do cadaver um pequeno cartão. Depois de colocar a cabeça dentro de um pequeno container isolante, colocou o cartão em um dos plásticos para a coleta de evidências.

– Posso ver? – perguntou Han Kio que ainda tinha as luvas latéx vestidas em suas mãos.

Sob a luz da lua cheia, Han Kio analisou o belo e luxuoso cartão de apresentação.

Dois belos H’s ornamentados com duas serpentes fê-la olhar adiante, para um dos mais altos edifícios de Icheon, onde ficava o Hospital Huimang. O logotipo era igual ao do letreiro no alto do edifício. Ao virar o cartão, havia somente um nome:

lua cheia

Ao lado do nome do Dr. Jack Cho havia … lírios brancos.