Os filhos do Mal – Cap 2 – Dr. Jack Cho

– Bom dia! Eu gostaria de falar com o Dr. Jack Cho – falou Han Kio para a recepcionista do hospital.

– A senhorita marcou um horário com o presidente? – perguntou a recepcionista com desagrado olhando para Han Kio de alto a baixo.

De fato, ela não se encaixava naquele lugar. O Hospital Huimang era para a elite não para uma detetive pobretona como ela.

Han Kio mostrou o distintivo, pendurado no pescoço com uma correntinha, o que fez a recepcionista discar para algum lugar e falar ao telefone com alguém. Depois de alguns segundos, ela retornou a olhar para Han Kio.

– A senhorita deve pegar o elevador da Torre Norte e apertar o botão do 3 andar, por favor. – respondeu ela, com um pouco mais de simpatia.

Quando as portas do elevador se abriram para o terceiro andar, a impressão é que Han Kio havia entrado em um outro mundo. Era tudo tão limpo e polido que dava a impressão de que Han Kio era uma grande sujeira. A opulência da presidência superava em muito a da recepção do hospital no andar térreo. No teto, pendia um candelabro magnífico. Havia uma pequena sala de espera com sofás luxuosos uma sala de reuniões ao fundo. Uma escadaria em semi-círculo dava acesso a um deck onde outras salas ficavam.

Enquanto ainda se admirava com o lugar, uma mulher muito alta apareceu a sua frente. Ela vestia terno e saia luxuosos, tinha os cabelos bem presos e parecia muito elegante para uma recepcionista.

– A senhorita é da polícia? – perguntou a mulher.

– Sim, sou detetive da Homicídios. Eu gostaria de falar com Dr. Jack Cho.

– O Dr. Cho está acompanhando um paciente VIP no décimo andar, mas descerá em breve. A senhorita pode subir as escadas e aguardar naquela sala, por favor.

Dr. Jack Cho. Recepcionista.

Han Kio obedeceu. Quando subiu as escadas, viu que havia três salas: a vice-presidência, a presidência e a ouvidoria. Han Kio abriu a porta da sala que tinha a placa Presidência.

Ali, novamente, o ambiente a surpreendeu: todos os moveis eram brancos. Havia uma grande vista para o exterior, mas o que mais surpreendia era a limpeza do lugar. Tudo brilhava como se tivesse sido encerado, não uma, mas milhares de vezes.

O tal Dr. Cho parecia ser um maníaco de limpeza. Muitos psicopatas eram extremamente organizados. Será que era um indício? Havia um grande hack a um canto da sala. Havia fotos ali: todas as fotos mostravam uma garotinha, desde que era um bebê até seus oito anos. Seria a filha do Dr. Cho?

Pegou um dos retratos na mão e levou-o para mais perto dos seus olhos: a menina não se parecia com ele.  Seria mais parecida com a mãe?

– Bom dia! – disse uma voz masculina atrás dela.

Com o susto, ela deixou cair o quadro de sua mão. Estava prestes a escutar o vidro partindo-se no chão. Entretanto, o homem atrás de si foi mais rápido e segurou o objeto antes de espatifar-se.

– Ah… desculpe… – disse ela, meio sem jeito, praguejando internamente por ser tão atrapalhada.

Dr. Jack Cho

– Eu que peço suas desculpas. Vi que estava distraída… deveria tê-la avisado antes de me aproximar. – respondeu o homem, muito bem apessoado. Era um homem alto, muito sexy, principalmente com aquele terno branco, típico de médico. Apesar de seu belo aspecto, parecia, de fato, um homem poderoso.

 – Sou o Dr. Jack Cho. Disseram-me que você é uma policial.

– Sim, meu nome é Ji Han Kio – disse ela, estendendo-lhe a mão.

Ele, por outro lado, olhou para a mão dela com repulsa.

– Sinto muito, Srta. Ji, mas não toco nas mãos de ninguém. Infelizmente, tenho um problema com germes…

Han Kio recolheu sua mão, constrangida. “Germófobo, maníaco por limpeza, que outras esquisitices ele poderia ter?”.

– Por que uma policial quer falar comigo? Estou encrencado? – perguntou ele, com um voz grave, mas prazerosa de se escutar.

– Não sei. Por acaso o senhor andou fazendo algo errado? – perguntou ela, devolvendo a capciosa pergunta com outra.

Ele sorriu, mostrando os dentes alvos alinhados.

– Espero que não, policial!

– Sou detetive da homicídios. Na verdade, estou chefiando as investigações a respeito do Psicopata da Lua Cheia. O senhor deve saber do que estou falando, não é?

– Tão jovem? Chefiando essa investigação tão intensa? Admiro a senhorita… ou devo dizer senhora? – falou ele, com um sorriso um pouco misterioso.

– Senhorita! – corrigiu Han Kio.

– Bem, senhorita Ji, a polícia já esteve aqui neste hospital e todos os meus médicos foram investigados e foram riscados da lista de suspeitos.

– Sim… eu li o relatório desta investigação. Mas não estou aqui para investigar os médicos deste hospital, estou aqui porque o senhor, e somente o senhor, se tornou uma pessoa de interesse.

– Uma pessoa de interesse? Não entendi.

– É alguém que está envolvido com o caso. Na noite passada, mais uma vítima foi encontrada em uma praia aqui perto. – informou Ji, tentando ser bastante evasiva.

– Eu soube. – respondeu ele. – E o que eu tenho a ver com isso?

– Havia um de seus cartões de apresentação no corpo da vítima.

Ji olhou para o Dr. Cho para ver como ele reagiria. Ele parecia um pouco surpreso, mas essa era uma emoção fácil para um psicopata simular.

– Isso me transforma em um suspeito? Se eu fosse o assassino, jamais deixaria uma pista como essa apontando para mim mesmo. Seria um idiota, se fizesse isso. Além disso, se eu quisesse ser um assassino, nem precisaria sair do hospital para isso.

Ji franziu o cenho ao escutar aquilo. O que ele queria dizer? Que ele poderia matar pessoas dentro do hospital? Assim, tranquilamente?

– Bem, Dr. Cho. O senhor ainda não é um suspeito – disse ela, frisando o “ainda”. – Entretanto, precisamos investigar o seu relacionamento com a vítima e com os casos de assassinato, se é que me entende.

– E quem era a vítima? Você pode informar?

– Aí é que está. O nome da vítima era Sio Na Ra, teoricamente, ela era estudante da universidade aqui perto, mas a verdade é que nós investigamos e parece que ela fazia… certos “serviços” para homens, digamos, da alta sociedade.

– Ah… ela era uma prostituta de luxo, é o que você está tentando me dizer? – Ji tentou se controlar, mas sentiu seu rosto ruborizar com a franqueza do Dr. Jack –  Não costumo utilizar esses “serviços”. Já tenho problemas demais com a minha ex-mulher.

Jin anotou “ex-mulher” no caderninho que sempre trazia consigo para coletar informações.

– Mas conhecia a vítima?

– Para dizer a verdade, o nome não é estranho… talvez ela seja alguma paciente do hospital.

– O senhor tem razão… ela é paciente do seu hospital. Assim como todas as mulheres que fazem parte da “agência” da garota. Parece que… hum… – ela pigarreou sem graça, o que não passou despercebido pelo Dr. Jack Cho que esboçou um sorriso no canto dos lábios – parece que… bem… essas garotas tinham um plano de saúde e consultavam aqui com frequência. Principalmente, depois de uma noite… er… de… “serviço”.  

– Você é sempre assim carregada de pudor, srta. Ji? – provocou ele, com mais um sorriso alinhado.

“Que tipo de pergunta era aquela”, pensou Han Kio, só porque ela tentava não usar as palavras “prostituta”,  “cafetão” e programa.

– Bem… que tal nos manter no assunto em questão, Dr. Cho… o senhor conhecia ou não a vítima?

Dr. Cho não parecia perturbado. Nem um pouco. Pelo contrário, parecia se divertir com o comportamento de Han Kio. Ela deveria ter trazido um parceiro. Certamente, seria mais fácil para um homem perguntar “aquelas coisas”.

– Como já disse, o nome não me é estranho. Deixa eu acessar o sistema….

Ele tirou o celular do bolso e passou a digitar algumas coisas na tela.

– Sia Na Ra, não é… aqui está… ela fez uma cirurgia há 3 meses atrás. Eu fui o anestesista chefe, por isso, lembrava do nome.

– Que cirurgia ela fez…?

– Deixa eu pesquisar… uhm… ela tinha cistos malignos nos ovários. A cirurgia foi para a retirada e biopsia do útero.

– Parece bem interessante uma… er… prostituta de luxo retirar o útero, não é…? – disse ela, com o caderninho na mão, anotando as informações que ele lhe dizia.

– Você parece insinuar que nosso hospital compactua com cafetões para abortar e retirar os úteros de suas prostitutas, mas não fazemos esse tipo de coisa em nossa instituição… – falou ele, parecendo um pouco irritado. – Somos o hospital mais rico da cidade. Não precisamos fazer isso.

– Entendo… será que eu posso ver o prontuário dessa paciente. Se foi feita uma biópsia, deve haver o resultado do exame, não é? Comprovando se ela realmente tinha um cancer, não é?

– Claro… vou providenciar para a senhorita. Eu levarei pessoalmente ao seu departamento.

Aquilo parecia uma ameaça velada e elegante. Mas ela não tinha medo de ameaças.

– Depois da cirurgia, o senhor viu a Srta. Sia Na Ra depois disso?

Novamente, o Dr. Jack Cho consultou o celular.

– Eu assinei o prontuário de evolução desta paciente um dia após da cirurgia e depois de três dias. Isso é padrão para cirurgias. O médico dela é outro, eu sou somente o anestesista. Não sei se a senhora está habituada com o trabalho de um anestesista, mas ele aplica a anestesia durante uma cirurgia, acompanha todo o processo de recuperação da paciente e deve visita-la alguns dias depois – se o paciente estiver internado – a fim de averiguar a sua recuperação.

– E como estava a paciente, de acordo com o seu relatório?

– Ela teve uma boa recuperação. Não houve nenhum problema com essa paciente. – disse ele depois de alguns segundos lendo o celular. – Talvez por isso, eu não tenha lembrado dela. Geralmente, tendemos a lembrar melhor dos problemas. Mais alguma coisa, senhorita Ji?

– Sim… pelo que investiguei, o senhor costuma participar de congressos em outros estados e até no estrangeiro. O senhor esteve fora da cidade, nos últimos quinze dias?

– Gostaria de dizer que sim, mas infelizmente, faz um mês que não saio de Incheon. – respondeu o Dr. Jack Cho, parecendo calmo e reflexivo.

– E pode me dizer onde esteve a noite passada, das dezoito até as duas horas da madrugada?

– Sim… com certeza… estava aqui no hospital.

– Vou precisar acessar o seu sistema de segurança para verificar todas as câmeras possíveis. Trarei um mandado assim que possível, mas…

– Não há necessidade de um mandato… eu faço questão de colaborar com as investigações…

Ji olhou para ele capciosamente. Psicopatas sempre dizem que querem colaborar com as investigações. Os mais ousados, até soltam algumas pistas para a política, porque curtem essa dança de “gato e rato” que fazem com a polícia. Seria esse o caso?

Enquanto isso, ele tomou novamente o celular nas mãos e ligou para algum lugar diante dela.

– Estou ligando para o meu chefe de segurança.- informou ele, um segundo antes de alguém atender no outro lado – Sr. Wang? Sim… é Dr. Cho. Uma detetive da Polícia está indo aí no seu departamento. Por favor, dê acesso para que ela verifique todas as câmeras. Ajude-a no que ela precisar, sim… mas é uma ordem Sr. Wang.

– Vou precisar da ajuda de alguns policiais… – disse ela, enquanto ele ainda estava na ligação.

– Ela vai levar alguns policiais também…Sim.. Sr. Wang. Livre acesso. Eu me responsabilizo.

– Obrigada por isso, Dr. Jack Cho – disse ela, quando ele finalmente desligou o telefone.

– Não há necessidade de agradecer. Pelo jeito, isso também é do meu interesse. – disse ele, com um sorriso arrebatador.

Em seguida, ao sair da sala, Ji olhou para o caderninho que utilizou para anotar as informações coletadas.

Não sabia ao certo o que pensar do Dr. Jack Cho. Ele parecia inteligente demais, perspicaz demais, meticuloso demais, organizado demais…. exatamente como o perfil do “psicopata da lua cheia”.