11 – A Beleza da Alma – Uma linda mulher

O dia transcorreu sem outros problemas. Ela convenceu Gil Bender a assinar o contrato durante o almoço em que ela ficou em silêncio por boa parte do tempo e na parte da tarde, continuou o treinamento de Rachel. Assim que teve tempo, passou a treinar também Beth, passando seus contatos e sua agenda para ela.

Por volta das seis, Do Jin saiu de sua sala.

– Vamos pra casa, amor? – disse ele, aproximando-se dela.

– Ah, não… “querido” – disse ela, num tom forçado que Do Jin percebeu no mesmo instante, arqueando uma das sobrancelhas. – Eu ainda quero treinar Beth um pouco mais… Vá na frente.

Do Jin hesitou por alguns segundos, mas depois de depositar um beijo em sua testa, resolveu ir embora. Um pouco depois, foi a vez de Rachel, Karina e Ra In, só restando Beth e ela na presidência.

– Brigou com seu marido? – falou Beth, percebendo o tom forçado de Anya para Do Jin.

– Ah, Beth… Minha relação com Do Jin é um pouco… confusa. E ele é… um pouco… distante de mim… – falou Anya, pois precisava desabafar com Beth. Não poderia contar muito, mas pelo menos, falar de seus sentimentos já iria ajudar.

– Confusa, é…? – falou Beth. – Acho que não mais do que eu e o Júnior. Isso sim é confuso. Eu o amo demais. Numa hora ele me faz muito feliz, é carinhoso e gentil. Mas tem horas que ele vira o próprio diabo. Você tem sorte pelo Dr. Do Jin não ser assim.

Anya sorriu sem graça. Do Jin era exatamente assim. Claro, ele não a machucaria fisicamente como Junior fazia com Beth, mas ele a feria com palavras e com a indiferença que parecia criar um bloco de gelo ao seu redor.

Por isso, ainda que ela estivesse realmente apaixonada por Do Jin, isso não resolveria seu problema com ele, pelo contrário, poderia piorá-lo, pois ela provavelmente teria expectativas que não seriam cumpridas, pois Do Jin deixara muito claro que aquele casamento era apenas de fachada.

Depois de conversar um pouco mais com Beth, Anya resolveu ir para casa. Quando estava quase saindo, o porteiro avisou que Do Jin tinha mandado a limusine para apanhá-la.

– Não vou usar a limusine… Eu quero caminhar…

De fato, Anya precisava caminhar e livrar seus pensamentos daquele casamento fadado ao fracasso. No meio do caminho para a mansão de Do Jin, a chuva começou a cair. Começou de fininho e aos poucos os pingos da chuva engordaram até tornarem-se torrenciais.

Enquanto a chuva molhava seu corpo, Anya sentia as lágrimas que havia segurado durante todo o dia escaparem.

Era bom que estivesse chovendo, assim ninguém notaria que ela estava chorando, ainda que uma mulher caminhando pela rua totalmente ensopada não fosse algo discreto. Sofria as palavras que Do Jin lhe dissera: ela não deveria ter se apaixonado por ele. Sabia que não poderia. Sabia que era apenas um negócio.

Como poderia continuar? Uma semana de casamento e já se sentia ferida, cansada, exausta. Talvez estivesse melhor na casa de sua mãe. Estaria sendo explorada ao máximo agora e seria uma prisioneira, não tinha dúvida, mas ainda assim, o que estava sentindo agora parecia-lhe pior…

Chegou ao condomínio quase duas horas depois do horário que provavelmente Do Jin havia chegado. Queria que Do Jin se preocupasse pelo menos um pouquinho com ela, por isso, custou a apressar os passos.

– Dona Anya, falou um dos guardas da portaria. Vou pedir para o motorista vir buscá-la aqui…

– Não se preocupe. Já estou molhada mesmo. Eu quero caminhar mais um pouco…

Anya caminhou pela estrada principal do condomínio de Do Jin, admirando as belas casas e tentando entender o que alguém como ela estava fazendo ali naquele mundo que não lhe pertencia. Era tudo tão belo e perfeito. E ela era imperfeita, deformada, feia. Era assim que se sentia e era assim que provavelmente sempre se sentiria, ainda que morasse em uma mansão.

Entre os jardins meticulosamente planejados, ela se sentia um inseto invasor e horripilante a estragar o ambiente. Será que sua deformidade era o motivo de tamanha indiferença?

Quando chegou em casa, alguns minutos depois, foi recepcionada pela governanta de Do Jin que lhe trouxe uma toalha.

– O dr. Kim estava preocupado com a senhora – falou a governanta que também era asiática.

Anya não conseguia se lembrar do nome dela, afinal, encontrara a simpática senhora apenas umas duas vezes.

– Dr. Kim ligou para a empresa e para a guarita algumas vezes para saber se a senhora havia passado por eles.

– Eu queria caminhar… – disse Anya, subindo enfim os degraus. Ao abrir a porta do quarto, viu Do Jin no meio do aposento, já vestido de pijamas.

– Posso saber onde estava para estar nesse estado? Está ensopada! – disse Do Jin, parecendo aborrecido.

– Eu gosto de caminhar… – ela respondeu sentindo o cansaço em sua alma. Uma semana com aquele homem e ele já a levava a loucura.

– À noite, na chuva? – vociferou ele, num tom irritado. – Você tem noção de que você poderia ter sido sequestrada e morta? Eu sou um homem rico, Anya. E o seu rosto está estampado em algumas capas de revistas agora.

– Se eu morresse, o senhor poderia perder a empresa de alguma forma?  – perguntou ela, tentando se manter tão indiferente quanto ele.

– Não, mas..

– Então não me aborreça, doutor! – interrompeu ela, dirigindo-se para o banheiro, mas Do Jin a segurou pelo pulso.

– O que há com você? – perguntou ele, com o cenho preocupado. – Por que você parece sem energia? E ao mesmo tempo, irritadiça?

– Ainda pergunta? O senhor disse que me destruiria para salvar sua empresa. Sei que não sou ninguém, mas ainda sou uma pessoa. Eu tenho sentimentos. E sinto pena do senhor por não confiar em ninguém e nem ter alguém importante pra você. Enquanto a empresa for a única coisa que lhe importa, o senhor pode ser rico, mas também é pobre de afeto e amor.

Do Jin sorriu ironicamente.

– E você, Anya? Por acaso, é rica nesse quesito? Não foi você que surgiu na minha empresa desesperada para fugir da própria mãe?

– Sim… é verdade! É verdade que não tenho um bom relacionamento com minha mãe. Nem todas as pessoas do mundo irão gostar de você e amá-lo de verdade. Mas há aquelas que nos amam. Como por exemplo Beth, que é como uma irmã pra mim e o senhor que…

Anya calou-se no mesmo instante antes de completar a frase. Mesmo que estivesse congelando com o corpo todo molhado da chuva, sentiu suas bochechas avermelharem-se.

– Romântica Anya… Eu lhe disse para não se apaixonar por mim…

– Não vou fazer isso… Eu não me apaixonaria por alguém como o senhor…– mentiu ela e desvencilhou-se de Do Jin para entrar no banheiro.

Um ano, pensou ela, enquanto sentia a água quente do chuveiro molhando seu corpo trêmulo.  Depois disso, ela estaria livre dele para sempre.

Algum tempo depois…

– Anya!

Acordou assustada ao escutar a voz profunda de Do Jin perto de si. Ainda era noite, ela mal havia pegado no sono.

– Sim, doutor… – disse ela, sentando-se – Precisa de mim?

– Você estava gritando! – disse ele, parecendo ainda mais preocupado. – Estava muito agitada. Está tudo bem?

– Oh… Sim. Desculpe, doutor. Fazia muito tempo que isso não acontecia. – disse ela, sonolenta. Sentia todo o corpo dolorido de alguma forma e queria voltar a dormir.

Ele colocou a mão sobre a testa de Anya. Ela se encolheu diante daquele contato. Sentir os dedos de Do Jin em sua testa a feria de alguma forma inexplicável. Queria que ele se importasse com ela. Queria que fosse de verdade. Mas, possivelmente, ele só estava preocupado em ficar sem sua secretária alguns dias, caso ela estivesse doente.

– Você não me parece bem. Talvez esteja resfriada. – falou ele, aborrecido. – Como você pode ser tão inconsequente? Andando por aí à noite, na chuva… estava pedindo por isso, não é? Quer me aborrecer, Anya?

– Não, doutor… – respondeu ela, sentindo os lábios secos. – Eu estou bem… vou só tomar um copo de água.

– Não se atreva a levantar desse sofá – disse ele, segurando-a quando ela fez menção em se levantar. – Ou melhor… vou transferir você para minha cama… você dormirá na cama esta noite.

– O que?

Antes que ela pudesse perceber o que acontecia, sentiu os braços de Do Jin envolvendo-a e ela foi erguida.

– Doutor… eu posso andar… – respondeu ela, sem graça. Enquanto ele caminhava em direção à cama, Anya sentia a respiração de Do Jin perto de si e estava muito próxima de seus lábios. Queria poder beijá-lo. Sentir seus lábios, tocar sua pele. Queria poder se aconchegar nos braços do seu marido, sentir aqueles cabelos negros entre seus dedos, mas sabia que não poderia fazer isso. Ele zombaria ainda mais dela, depois de avisá-la para não se apaixonar por ele.

Depois de colocá-la na cama, Do Jin cobriu-a com os cobertores que ele estava usando. No lugar em que ela agora estava, ainda havia o calor do corpo dele. Era estranho sentir aquela vibração em seu corpo, mas ainda assim era uma sensação boa. Era como sentir o seu abraço.

– Deve ser um resfriado. Se quiser, peço para o médico da família ver você. – falou ele, sentando-se na beirada da cama.

Novamente, ele colocou a mão em sua testa.

– Não… Eu estou bem. E está muito tarde – disse ela, esfregando os olhos. Queria que ele tirasse as mãos dela.

– Você sonhava com o acidente? – perguntou ele, parecendo estranhamente perturbado. Da testa, ele levou a mão para os ombros de Anya.

– Eu não sei, doutor. Não me lembro. – ela disse, piscando os olhos lentamente, sentia o sono entorpecer sua mente.

– Você gritava pelo seu pai. “Estou queimando, estou queimando. Papai me ajude”. Era o que você dizia. Foi assombroso ouvir você, Anya. O acidente foi mesmo apavorante, não é, querida…

– Sinto muito. Isso acontece raramente. – ela estava com muito sono e já não conseguia pensar direito, mas parecia que ela via lágrimas nos olhos de Do Jin. – Sinto muito se o acordei, doutor.

– Fiquei preocupado. Você estava em agonia! E pare de me chamar de doutor… sou o seu marido, Anya… quando é que vai me chamar de Do Jin?

Do Jin se levantou e saiu do quarto, parecendo irritado e aborrecido. Com certeza, ter que deixar sua cama para ela o irritava profundamente, mas aquela ideia foi dele e não dela, ela estava bem, lá no sofá.  Talvez ele fosse para o quarto de hóspedes.

Quando já estava conciliando o sono, ele apareceu novamente, trazendo uma bandeja.

– Eu lhe trouxe um chá de ervas e mel. – disse ele, colocando a xícara em suas mãos.  – Se for um resfriado isso irá ajudar.

Também na bandeja, havia uma tigela com água e gelo. Do Jin molhou um pano na água e depois o colocou em sua testa.

– Isso é para a febre. E tome esse antitérmico também – disse ele, colocando um pequeno comprimido sobre a bandeja..

– Não precisava tudo isso, Doutor… quero dizer… Do Jin, tenho certeza de que estarei bem amanhã…

– Não quero ouvir você gritando a plenos pulmões durante a noite toda. Hoje, vou dormir ao seu lado, assim poderei monitorar se você está melhor ou não.

Anya arregalou os olhos ao ouvir aquilo e encrespou a mão, afundando as unhas na palma.

– Por que ficou nervosa? Eu não vou tentar nada engraçado com você, Anya, não se preocupe…

– É que imagino que seja muito ruim dormir ao meu lado. O senhor deve ter nojo de ficar ao meu lado não é? – disse ela, esperando que ele não respondesse. Não queria ouvir da boca dele que ele sentia nojo dela.

– Do que está falando, Anya? Por que eu teria nojo de dormir ao lado da minha mulher? – falou ele, balançando a cabeça. 

Do Jin deu a volta da cama, puxou as cobertas e se deitou ao lado de Anya que ficou perplexa, só observando.

– Tome o seu chá e tente dormir… – disse ele, antes de virar para o outro lado, mostrando-lhe as costas.

Anya sorriu. Do Jin sabia ser frio e ao mesmo tempo caloroso. Ele cuidara dela de alguma forma, ainda que fosse apenas para que ela não lhe incomodasse. Ainda assim, aquilo era fofo e amoroso.

Ela tomou o chá e o comprimido, depois colocou a bandeja sobre o criado mudo e ajeitou-se melhor ao lado dele. A cama era tão grande, que mesmo tentando se aproximar, ainda havia alguns centímetros de distância de Do Jin. Anya ficou observando as costas do seu marido. Suas mãos estavam muito próximas dele e ela gostaria de poder fazer carícias em seu corpo, mas sabia que não poderia. Aquela relação era estritamente de negócios e deveria permanecer assim. Pelo menos, era o que ele queria. Mas seu coração já estava machucado por aquilo. Embora ela dissesse que não iria se apaixonar por ele, já era muito tarde. Ela o amava.

Dormir ao lado do homem que ama sem poder tocá-lo era como uma nova e arrojada forma de tortura psicológica. Anya não conseguiu mais relaxar e adormecer e passou a noite, observando e escutando a respiração de Do Jin. Já era seis horas da manhã quando Do Jin se virou de sua quase imutável posição. Colocou o braço sobre o corpo de Anya que apenas assistiu aquele movimento sem fazer nada. Quando pensou em acordá-lo ou remover aquele braço, sentiu que a mão dele afundou-se em sua cintura e ele a puxou para si.

– Anya… – ele sussurrou, entre os dentes. Ainda dormia. Seus olhos permaneciam fechados e a respiração era pesada.

Anya não sabia o que fazer. Ele a puxara para tão perto dele que ela teve que apoiar a bochecha contra o peito de Do Jin e assim escutar seus batimentos cardíacos.

Tentou livrar-se do braço de Do Jin, mas ele a apertou ainda mais e antes que ela pudesse impedi-lo, ele avançou sobre ela e cobriu seus lábios. Ela tentou empurrá-lo de alguma forma, mas seus braços amoleceram diante daquele contato. A mão de Do Jin passeou por suas costas descendo até a cocha de Anya que não tinha forças nem controle para fazer nada além de se entregar àquele beijo sensual e avassalador. Ele puxou sua camisola e enfiou a mão por dentro da finíssima seda para tocar novamente suas costas, como se quisesse livrá-la da roupa.

Nervosa com aquela inesperada aproximação, Anya tentou novamente afastá-lo. Se ele continuasse, ela não seria capaz de impedir o que quer que fosse.

Quando seus lábios se separaram dos dela, ela logo o chamou para que ele acordasse.

– Doutor… doutor por favor, acorde…

Ele a puxou novamente para beijá-la, mas ela colocou a palma da mão sobre os lábios dele.

– DO JIN… ACORDE…

Do Jin parou imediatamente os movimentos da mão que se insinuava no corpo de Anya e abriu os olhos.

Ele franziu os olhos, parecendo assustado com o que ele mesmo fazia e deu um pulo, afastando-se de Anya e saindo da cama.

– Ah, meu Deus… eu… eu não tentei nada… não é? Não aconteceu nada… não é?

Anya ajeitou a camisola e cobriu-se até os seios com as cobertas.

– Não, Senhor… – respondeu ela, sem poder encará-lo, muito envergonhada. Não era só por ter tido aquele contato íntimo com Do Jin, mas também porque era a primeira vez que Do Jin via uma certa parte do seu corpo que ela tentara encobrir. Toda a extensão do seu ombro direito fora consumido por chamas e agora havia cicatrizes horríveis por toda a extensão das costas.

Quando dormia no sofá, Anya fazia questão de se cobrir e se levantava quando ele já havia saído do quarto. E ontem a noite estava muito escuro, então, imaginava que aquela era a primeira vez que ele a via daquele jeito, seminua.

Em vão, tentou levantar a coberta até o pescoço, mas antes que fizesse isso, Do Jin colocou a mão sobre o seu ombro, impedindo-a.

– Eu já vi todo o seu corpo, lembra-se? Quando você dormiu em minha casa pela primeira vez, eu já vi o seu corpo. Não tenha vergonha de si mesma, Anya. Você é linda. Não é você quem tem que ter vergonha aqui.

– O que o senhor quer dizer com isso? – perguntou ela, sem entender direito o que ele quis dizer.

– Eu vejo em seus olhos o quanto você deseja que eu a ame, Anya. Mas não posso. Se eu a adverti para que não se apaixonasse por mim, não é por você, querida, é por mim: eu não posso te amar.

Do Jin passou a mão pelos cabelos negros e suspirou pesadamente.

– Há coisas sobre mim que você não sabe. Se você soubesse, você teria por mim o nojo que acha que o mundo sente por você. Mas Anya, eu sou o monstro aqui, não você… Há cicatrizes e feridas em minha alma. E não posso curá-las, por mais que eu queira. Comparada a mim, você é linda, Anya. Então, não deixe que o mundo te trate como tal, nem você mesma. Nem você mesma, Anya… Você é linda… está me ouvindo, Anya… você é a mulher mais linda que eu já conheci…

Anya sentiu os olhos marejarem. Não queria chorar, queria manter-se forte e indiferente, mas não podia. Ele a chamara de linda. Ele a chamada de linda e ainda disse que não podia amá-la. Que infeliz declaração era aquela do seu marido?

Ele sabia que ela havia se apaixonado por ele. Ele simplesmente sabia, não havia mais como negar…

– Do Jin… – disse ela, tentando se aproximar dele. Não queria implorar por carinho, mas queria muito que ele pudesse ao menos abraçá-la.

– Se eu deixar você se aproximar de mim, Anya, eu posso te machucar ainda mais… – disse ele, e antes que ela pudesse tocá-lo, ele se afastou e saiu do quarto.