Capítulo 14 – A entrevista
– Anya… .- começou Do Jin a dizer, mas simplesmente lhe faltou a voz.
Sua esposa se levantou. Ela usava um terninho como os que costumava usar quando estava trabalhando.
– Eu preciso que você venha comigo à entrevista. – disse Anya, com uma voz firme e decidida.
– Anya, por favor, eu lhe imploro… – disse Do Jin, sentindo o corpo tremer. – Pense muito bem. Não é momento para dar uma entrevista. Fique alguns dias em casa. Durma, descanse, reflita. Só depois faça o que tiver que fazer.
– Eu já pensei e não vou procrastinar mais nada…
– Você irá me destruir, Anya. Você irá destruir tudo o que eu tenho. Eu lutei muito para ter o que eu tenho.
– É… você só se importa o que você tem, não é? Você me destruiu e ainda se atreve a me pedir algo? – disse ela, com uma amargura na voz que não fazia parte da alma de Anya. – Se não quiser vir comigo, eu irei sozinha.
– Eu vou com você, Anya. – disse Do Jin, sem saber direito o que fazer. Trocou de roupa rapidamente e ajeitou como podia os cabelos negros. Quando se olhou no espelho, sentiu um frio na barriga, pois sabia que sua reputação sofreria um abalo irreversível.
Mesmo que Anya não conseguisse o divórcio em tempo, mesmo que ele conseguisse manter a presidência e a maioria das ações da Do Jin, ainda assim, ele perderia milhões. Mas isso não era o pior. O mundo o veria como um assassino, um manipulador e o pior: ele perderia Anya, talvez já a tivesse perdido e no momento, era o que mais importava. Ele, que sempre só pensou em dinheiro e na sua empresa, agora sabia o que realmente lhe importava.
De fato, alguma coisa muito importante lhe acontecera na noite passada. Ele sempre esteve preocupado com Anya Medeiros, pois havia feito aquela promessa a Tony Medeiros. Contudo agora, não era mais a promessa que lhe movia, mas o próprio afeto que tinha por ela.
Como a faria acreditar que sentia muito e que a amava de verdade? Mesmo que ele dissesse isso agora, ela jamais acreditaria.
Quando saiu de seu quarto, descobriu que Anya já o esperava no corredor.
Ele a conduziu até seu carro e abriu a porta para ela. Quando passaram pela frente da casa de Jang Joo, viu que o tio sorria sarcasticamente, ciente do abalo que havia causado em Do Jin.
Durante todo o trajeto até o Centro Comercial da Do Jin, Anya permaneceu em silêncio, mas ele podia sentir a tristeza que havia em seu semblante. Quando enfim estacionou, virou para ela e segurou sua pequena mão.
– Anya… novamente eu lhe imploro. Uma entrevista sua pode destruir minha vida… Eu tenho ciência de que destruí a sua, mas não tem um só dia em que eu não me lembre do que aconteceu a seu pai.
Ela olhou para ele com um olhar de desprezo simplesmente e puxou a mão, saindo do carro.
Do Jin a seguiu o tempo todo e embora quisesse fazer alguma coisa, ele mesmo não tinha coragem, pois sabia que merecia aquele castigo. Se sua mãe estivesse ali, ela agarraria Anya contra a vontade, a colocaria no porta-malas e a manteria presa por um ano, até que todo aquele escândalo tivesse acabado. Ele, entretanto, não poderia fazer isso. Sabia que merecia. Anya era uma menina linda, jovial, cheia de vida e ele destruiu sua beleza, sua saúde, seu ânimo. E agora, com aquela jogada política desesperada para manter a Do Jin, ele havia destruído muito mais: destruíra sua alma caridosa, sua ingenuidade, sua doçura. Ele mal reconhecia aquela mulher decidida que caminhava a sua frente, prestes a lhe dar um golpe mortal.
No elevador, Do Jin encontrou alguns funcionários, mas apesar dos olhares assustados, nenhum ousou mencionar nada. Quando entraram no andar da presidência, Anya caminhou elegantemente até a sala de reuniões. Karina já estava lá. Tinha os olhos vermelhos, provavelmente havia chorado e estava com uma expressão preocupada, desanimada.
– Doutor… a imprensa já está toda aqui. Precisamos conversar depois…
– Está bem… – disse Do Jin, sentando-se do lado de Anya na mesa principal, que estava coberta por microfones. A sala estava toda iluminada por refletores e câmeras e era óbvio que a maioria das emissoras havia enviado um representante. Sua vergonha seria transmitida ao vivo.
– Bom dia – disse Anya, educadamente. – Eu marquei essa entrevista para esclarecer algumas informações a respeito do meu casamento com o Dr. Kim Do Jin, presidente da Do Jin S.A em vista dos últimos acontecimentos. Primeiramente, eu gostaria de dizer que é verdade que meu pai Tony Medeiros e eu sofremos um acidente na serra Dona Francisca e que o condutor do caminhão era meu atual marido Kim Do Jin. Entretanto, não foi um acidente criminoso. Meu pai cruzou a frente do caminhão, causando, infelizmente o choque com o caminhão…
Do Jin arregalou os olhos quando Anya falou aquilo, mas antes que pudesse refletir sobre o que aquilo queria dizer, percebeu que ela continuava.
– Depois do choque, meu marido salvou-me do incêndio que causou essas cicatrizes que possuo, infelizmente, meu pai não pode ser salvo. Do Jin deu toda a assistência a mim e a minha família concedendo-nos 400 mil ainda que não precisasse, porque se viu responsabilizado pelo que aconteceu. O que estou dizendo a vocês está também nos autos da Boletim de Ocorrência que trata do acidente e as informações dando conta de que meu marido causou deliberadamente o acidente é mentira.
Do Jin parecia mais espantado do que os repórteres aflitos para lançar perguntas aos dois.
– Também divulgaram que meu marido só se casou comigo para manter a presidência da Do Jin. Isso também é mentira. – continuou ela, com uma voz determinada que Do Jin não conhecia – Desde o acidente, Do Jin e eu temos conhecido um ao outro e apesar das memórias amargas que ambos compartilhamos, nós nos apaixonamos. A verdade, senhores, é que eu não queria me casar agora, mas em virtude da data limite expressa no testamento do avó de meu marido, nós decidimos conscientemente antecipar a data da nossa união. Assim, nós garantiríamos a cláusula do testamento de Kim Há Do Jin. – falou Anya, sorrindo forçadamente. No mesmo instante, ela colocou a mão sobre a mão de Do Jin e a apertou num gesto de cumplicidade. – Eu amo meu marido, senhores e tenho certeza de que meu marido me ama apesar das más línguas. Meu marido me ama pelo que eu sou, não pela minha aparência e se alguém disser o contrário, esse alguém é mentiroso.
– Com esse alguém você quer dizer Kim Jang Joo, Sra. Kim? – perguntou um dos repórteres. – Tenho uma fonte que afirma que há uma forte rivalidade entre Kim Do Jin e Kim Jang Joo pela presidência da empresa.
– Em quase todas as empresas, nós percebemos que há rivalidade entre alguns membros dos altos escalões de diretoria, mas o clima de competitividade pode fazer bem a uma instituição quando este provoca novas ideias e soluções. O que faz mal são desinformações e calúnias que são como câncer em qualquer corporação. Felizmente, sei que essa notícia não irá abalar a Do Jin e a presidência de meu marido que mostrou mais de uma vez que é competente para estar onde está… – disse Anya, abraçando o braço de Do Jin. Até Do Jin se sobressaltou com aquilo. Dissimulação nunca foi uma qualidade de Anya. – Eu agradeço a todos por essa entrevista. – disse Anya, sem dar a oportunidade para que os repórteres fizessem mais perguntas, embora uma das mulheres presentes havia perguntado “porque vocês não viajaram em lua de mel”.
Do Jin saiu da sala arrastado por Anya que foi direto para a presidência, deixando Karina e Beth, que acabara de chegar, a cargo de retirar os repórteres dali. Quando os dois entraram na sala de Do Jin, Anya desprendeu-se dele, caminhou até o sofá e ali despencou, como se tivesse o peso de toneladas em suas costas.
– Anya, eu… – disse Do Jin, sem nem saber por onde começar. – Obrigado pela entrevista, você salvou a minha…
– Eu não vou pedir o divórcio… – disse ela, com o semblante sério. – Pelo menos por um ano. E isso é tudo o que eu vou fazer por você.
Do Jin não entendia. Qualquer outra mulher aproveitaria o momento para acabar com Do Jin de uma vez ou extorqui-lo. Por que ela o salvara daquele jeito?
– Achei que…
– Você se esforçou tanto pela Do Jin. Até matou meu pai por causa da sua empresa. Achei que não era justo tirar a presidência de você.
– Não diga isso, Anya. Eu não matei seu pai porque eu quis, foi um acidente…
– De qualquer forma, tirar você da presidência é o mesmo que colocar aquele nojento do Jang Joo no lugar. Entre um cretino e um nojento, eu decidi que o cretino era melhor…
Do Jin baixou a cabeça entristecido, mas sabia que merecia aquele ataque.
– Pelo menos, você sempre foi sincero com relação ao casamento. – respondeu Anya, ao perceber que havia ofendido Do Jin.
Cansada da entrevista e daquele dia interminável, Anya caminhou até a porta, mas antes que a abrisse, Do Jin a impediu, segurando-a pelo braço.
– Onde você vai? – perguntou ele, preocupado.
– Ainda está preocupado com o que eu possa fazer? Eu cumpro minhas promessas, por favor, deixe-me ir. – disse Anya, temendo chorar a qualquer momento. Nem sabia porque estava tão sensível. Era óbvio que aquele casamento nunca foi real para Do Jin, mas para ela fora. Ela entregou-se a ele: corpo e alma. Ela o amava, ainda o amava apesar de tudo e faria tudo o que ela pudesse para protegê-lo, mas não podia evitar sentir-se tão ferida, tão machucada.
– Não estou preocupado com o que você possa fazer… estou preocupado COM VOCÊ. Eu te levo pra casa.
– Não. – respondeu ela. – Não vou para a sua casa. Vou para o apartamento da Beth. – respondeu ela, tentando controlar-se. – Não posso ficar mais nem um minuto com você ou com sua família.
– Pense bem, Anya. Deve haver uma dúzia de repórteres diante do seu antigo apartamento. Fique na minha casa ou então no meu apartamento. Posso lhe dar meu apartamento se você quiser ou lhe comprar outro como você desejar.
– Não quero nada de você, Do Jin. E eu preciso ir para a minha casa. Nesse momento, preciso da minha amiga Beth. Preciso dela.
– Você nem vai conseguir chegar até Beth dependendo da quantidade de repórteres que estiverem na sua vila, Anya. Vamos para casa, assim você pode pensar melhor. De qualquer forma, será muito estranho os repórteres verem você indo para seu velho apartamento depois de tudo o que você falou na entrevista.
Anya olhou com raiva para Do Jin. Novamente, ele só estava pensando na imagem dele e não nos sentimentos dela. Ela sentia uma avalanche de pedras e pedregulhos sufocando seu coração, mas tinha que se manter impassível para não se machucar ainda mais.
– Tudo bem, mas eu não vou com você. Agora que já dei a entrevista, eu pego um ônibus, ou o metrô, mas não quero ter que ficar ao seu lado mais nem um minuto.
– Deixe o meu motorista te levar então…
Do Jin sabia que Anya estava partindo para sua casa, mas ele tinha a sensação de que ela partiria para sempre, enquanto a via embarcando no carro.