Angelical – cap 2 – Gil Ha Na

Capítulo 2 – Gil Ha Na

Park In entrou na ala B. Todos os internos ali estavam em salas separadas. A frente da sala era fechada com vidro temperado com pequenos furos para a ventilação. Park In parecia estar entrando naquele filme “Silêncio dos Inocentes” sobre Hanibal Lecter, a sensação era igual a de Clarice indo ao encontro de um psicopata canibal.

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Ele já visitara alas psiquiátricas para pacientes violentos. Inclusive já tratara alguns deles, mas aquela situação era a mais peculiar de todas.

Geralmente, os internos violentos ficavam alertas quando alguém novo chegava, mas ali, todos eles pareciam assustados e quietos. Não havia um som sequer na ala B. Nenhum grito, nenhum murmúrio… apenas silêncio. Um silêncio perturbador e pesado que incomodava, pois somente os passos eram ouvidos.

O prédio da Ala B era pequeno e todo blindado. Havia somente dois corredores em formato de L.

Um enfermeiro grandalhão acompanhou Park In até a porta que dava para o segundo corredor, onde a Gil Há Na ficava. Um corredor inteiro somente para ela. Nenhum outro interno poderia ficar ali, pois eles misteriosamente se machucavam quando ficavam perto de Ha Na, segundo Dr. Peter.

Park In achou que isso era no mínimo desafiador. Estava ansioso para conhecer a garota e testar suas habilidades de sugestionamento.

– Daqui em diante, o senhor pode ir sozinho? – perguntou o enfermeiro grandalhão com cara de medo.

Park In assentiu e entrou no corredor. Havia dez salas, cinco em cada lado. A menina ficava na segunda sala à direita. Ao vê-la, Park In não pode conter um sorriso. Ela estava dormindo.

Park Ha Na

Parecia uma menininha de tão pequena e mirrada que era, mais magra do que qualquer garota em sua idade. Ela tinha a pele muito branca, pois aquele lugar não permitia a entrada de sol, o que poderia deixar uma garota como ela com sérios problemas de nutrição, principalmente de vitamina D, que era essencial para o crescimento. Era bárbaro o que os psiquiatras haviam feito com ela até então.

– Olá! – disse ele, em voz alta o suficiente para acordá-la.

Ela acordou assustada e se encolheu na cama, o mais afastada possível da parede de vidro, onde apenas alguns buracos redondos garantiam a ventilação precária. Abraçou os joelhos com os braços e não ousou encará-lo. Olhava atentamente para o chão, mas seus olhos vigiavam os cantos.

– Quem é você? – perguntou ela, com uma voz que denotava os anos de abusos psicológicos por parte da equipe do instituto. A voz chegava até ele um pouco abafada, mas dava para escutar normalmente.

– Sou o Dr. Hong Park In, serei seu novo médico a partir de agora! – respondeu ele, cordialmente. – Será que podemos conversar?

– Ninguém vem aqui conversar! – respondeu ela, simplesmente, com uma das sobrancelhas arqueadas, visivelmente numa posição defensiva e desconfiada. – Um enfermeiro traz a comida todos os dias e sai correndo. Já nem entram mais aqui para limpar o quarto.

– Gostaria que eu enviasse alguém para limpar o quarto?

– Não! Eu gosto assim!

Park In olhou para o quarto dela. Ela havia feito estranhos desenhos na parede com grafite. Mas não havia sinal de nenhum lápis ou caneta, nem papel, nem nada.

Apenas uma cama, um colchão com um lençol modorrento, uma privada e um chuveiro. E tudo era filmado, por isso, a garota nem tinha direito a sua privacidade.

Ela vestia um pijama de hospital que estava velho e surrado e Park In não via outra roupa, o que indicava que a menina tinha que vestir sempre a mesma muda de roupa, ainda que estivesse suja. Desumano. Extremamente desumano.

– Posso saber seu nome? – perguntou Park In, aproximando-se da parede de vidro.

– Se é meu médico, já deve saber! – respondeu ela, simplesmente, ela o analisava e parecia irritada cada vez que ele se aproximava da parede de vidro.

– Sim, eu já sei, mas achei que você poderia me dizer.

– Ah, sei… como se fosse um encontro casual, entre amigos. – disse a garota, carregada de sarcasmo.

– Você gostaria de ter amigos, Ha Na? – disse ele, evidenciando o nome dela.

– Amigos costumam morrer… – respondeu ela, simplesmente.

– Se eu for seu amigo, eu também irei morrer, Ha Na, é o que você pensa? – perguntou ele, analisando-a cuidadosamente, mas ela também o analisava. A garota era perspicaz.

– Talvez… É melhor você manter distância de mim, se quiser permanecer vivo.

Era uma ameaça. Uma ameaça diferente. Ela parecia estar preocupada com ele, quando na verdade, o testava. Muito esperta, pensou ele.

– Você gosta de desenhar, Ha Na? – perguntou ele, analisando os desenhos da parede. Era sempre a mesma imagem: uma arvore negra, e a sombra de um homem muito alto e uma menina. A menina seria ela? Quem seria o homem ao lado dela?

– Dá pra passar o tempo, mas o Dr. Peter não me dá mais lápis.

– Posso saber porquê? – perguntou ele, praguejando internamente. Se Dr. Peter mantivesse o arquivo da garota em um bom estado, isso, com certeza, estaria relatado com detalhes. Agora, precisaria acreditar na palavra de um paciente psiquiátrico.

– Um dos enfermeiros que entrou aqui para deixar a comida usou o lápis para furar o próprio olho.

Park In percebeu que a menina pareceu demonstrar distanciamento ao relatar o ocorrido, como se relatasse um filme que viu na TV.

– Incrível. Você não gostava do enfermeiro, Ha Na?

– Você acha que fui eu também? – perguntou ela, dando um muxoxo. Ela se levantou e encostou na parede. Parecia querer encobrir consciente ou inconscientemente o desenho da sombra do homem.

– Eu não disse isso! Só perguntei se você não gostava do enfermeiro.

– Ele não era bom comigo. Sempre me xingava quando vinha aqui. Ele me culpava por causa da irmã dele que também era enfermeira. Ela tentou se matar. Parece que se jogou do prédio da ala A e ficou tetraplégica. Todo mundo me culpa por tudo o que acontece aqui.

– E porque eles fazem isso, Ha Na? – perguntou ele, impressionado pela inteligência da garota. Mesmo isolada, ela parecia ter informações de tudo o que acontecia no Instituto. Era uma característica de pessoas controladoras e manipuladoras. Informação era necessária para controlar pessoas.

– Porque…

A garota hesitou e olhou em seus olhos pela primeira vez… seus olhos eram belos e brilhantes, mas também havia dor neles… dor e sofrimento.
Park Ha Na

– Você não acreditaria em mim.

– Como pode dizer isso se você não me conhece? – perguntou ele, provocando-a calculadamente.

– Ninguém acredita em mim, no início, e depois… dizem coisas de mim.

– Que tipo de coisas dizem de você? – perguntou Park In, gostando da conversa com Ha Na. Ela pareceu arisca ao primeiro contato, mas na verdade, estava ansiosa para ter contato humano. Pobre garota. O que haviam feito com ela?

– Dizem que sou o diabo. – respondeu ela. Ela olhou para baixo. Evitou o contato novamente. Estaria ela mentindo? Pessoas que mentem evitam olhar para os olhos dos seus interlocutores, mas uma mentirosa compulsiva e manipuladora poderia fingir muito bem. Era preciso ter cuidado, Park In não sabia exatamente com o que estava lidando.

– Você concorda com o que dizem de você? – perguntou ele, tentando conduzi-la. Ela se mostrava aberta ao diálogo, mas hesitava. Aquela hesitação era calculada?

– Eu… não sei direito…

– Ah, eu acho que sabe. Você é esperta demais para não saber… – disse ele, sorrindo. Ela sorriu também. Era bom. Eles haviam criado um pequeno laço e um pequeno passo para a confiança entre os dois.

– Eu não sou nada do que dizem, mas coisas estranhas acontecem com as pessoas ao meu lado e todos me culpam.

– Como assim, Ha Na? Que coisas estranhas?

– Como o enfermeiro que usou o lápis para furar o olho. Eu não disse nada a ele, ele simplesmente furou o olho. Mas me culparam por isso.

– Entendo… você não disse nada, mas pensou, não é…

– É… pensei.

– E o que foi que você pensou?

– Que ele tinha olhos grandes.

– Por quê? Por que ‘olhos grandes’?

– Ele… ele ficava me olhando cada vez que vinha trazer a comida. Ficava me olhando com aqueles olhos grandes. Me julgando como se eu fosse um monstro. Eu só pensei que ele tinha olhos grandes.

– E o que aconteceu em seguida?

– Ele… ele pegou o lápis e o enfiou no olho direito. Bem na minha frente. E depois ficou gritando que eu era o diabo…Eu não fiz nada…

– Sim, imagino que deve ter sido horrível para você ver uma pessoa ferida na sua frente, não é?

– Não é a primeira vez que eu vejo uma coisa assim, já vi até pessoas morrendo… já estou até acostumada.

– Isso é horrível. Quem mais você viu morrer, Há Na?

Hesitação novamente. Ela levantou os olhos para ele. De novo, uma nota de tristeza naquele olhar.

Ela era linda, pensou Park In, uma garota linda com os olhos mais lindos que já vira em toda a sua vida e entretanto, parecia tão miserável ali sozinha, no canto daquela cela horrível que uma garota como ela, jamais deveria visitar, quiçá morar.

Park In sabia porque ela hesitava tanto em responder: seus pais. Provavelmente, os pais eram os responsáveis por todo o trauma e todo mal que ela já vivenciara em sua vida e era a cicatriz psicológica mais dolorosa que ela tinha.

Certamente, não seria em uma primeira sessão que ela contaria sobre os pais, então, Park In resolveu mudar de assunto.

– Você gostaria que eu lhe trouxesse lápis e papel para você desenhar amanhã? – perguntou ele.

A garota se animou no mesmo instante e até deu um passo em direção a ele.

– Sim… eu gostaria muito…

Depois, como se tivesse dado conta de onde estava, Ha Na deu um passo para trás e voltou a se encostar na parede do fundo.

– Eu gostaria muito, Dr Hong. – disse ela, polida, retirando o máximo da emoção que podia.

Park In saiu satisfeito da primeira sessão com Há Na. Ela havia respondido bem aos seus estímulos e demonstrou disposta a confiar nele, o que era um grande progresso para alguém que, segundo Peter, era o próprio diabo.

Entretanto, Ha Na parecia esperta e manipuladora, capaz de fingir emoções e driblar até mesmo um psiquiatra bem treinado como ele. Era preciso muito cuidado.

Estava saindo da ala B, quando sentiu alguém tocar em seu ombro e virou para trás, rapidamente.
Park Hong Ha Na

Era só uma impressão, pensou ele. Quando virou para o lado, um dos pacientes estava olhando fixo para ele.

– Não olhe nos olhos dela ou ela vai consumir sua alma! – falou o paciente.

Park In olhou para o número em cima do quarto. Estava escrito B5. Aquele era o Dr. Kim Young Joon que um dia fora o diretor daquele instituto psiquiátrico.

– Olá, Dr. Kim! – falou Park In, cordialmente. – Eu sou…

– Não diga seu nome a ela. Não fale nada sobre si mesmo. Escute o que eu digo. Fuja! Fuja! Antes que seja tarde demais…

Park In entrou em sua sala sorrindo para si mesmo. A histeria em massa era uma coisa muito séria, ele sabia, mas achava muito estranho que pessoas com conhecimentos profundos da mente humana como Dr. Kim e o Dr. Peter pudessem ter sofrido influencia de uma garota que tinha medo da própria sombra.

O lugar estava uma bagunça. Prontuários incompletos, papéis jogados em cada canto. Pelo menos, Dr. Peter havia retirado os seus bens pessoais, como as fotos de família que Park In havia visto no dia anterior.

Ele tinha um grande desafio pela frente, pois, apesar de ser muito famoso na área psquiatrica, JiHan parecia estar com sérios problemas de gestão.

Jihan ficava numa área muito isolada de Kitha. Havia quatro prédios ao todo:

  • O centro administrativo, onde ficava a sala de direção, a recepção e a sala dos médicos e enfermeiros.
  • A Ala A, para os pacientes internos, geralmente, jovens com problemas de vícios em entorpecentes.
  • A Ala B, para os pacientes violentos, onde ficava HaNa e outros 9 pacientes.
  • A Ala C, onde ficava o dormitório para os médicos, enfermeiros e funcionários que residiam em Jihan.
Além disso, havia uma grande quadra de tênis, duas piscinas, uma delas na Ala A e outra externa e um grande pátio onde faziam confraternizações.

A Ala A era aberta para os pacientes que podiam passear nos jardins externos de Jihan que eram enormes e bem cuidados. Entretanto, eles não tinham permissão para sair de Jihan que era rodeado de altas muralhas, quase intransponíveis. Havia guardas no portão principal de Jihan e também seguranças entre os funcionários.

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Park In observou que os guardas faziam rondas nos jardins e também nas alas A e B de Jihan. O prédio administrativo ficava no centro de Jihan. A Ala A, que era o maior prédio, ficava logo atrás e havia um corredor de acesso ao prédio Administrativo. A ala B ficava no lado direito do prédio administrativo e a ala C no lado esquerdo.

A sala de Park In ficava no segundo andar do prédio e tinha janelas muito amplas que permitiam vigiar quase todo o ambiente de Jihan, com exceção do jardim de entrada.

Isso era bom.

Não era a primeira vez que Park In era o gestor de um Instituto. Em Seul, ele foi o responsável pela Ala Psiquiátrica do maior hospital. O dinheiro era muito bom, ele conseguiu comprar uma bela mansão, um carro e dava tudo o que sua In Na lhe pedisse, mas ele estava sempre trabalhando.

No fim, ressentia-se por não poder praticar tanto a psiquiatria quanto gostaria. O serviço de administração requeria toda a sua atenção.

Ele sabia que, no fundo, ele não estava contente pois estava quase sempre mal-humorado em casa e ficava longos períodos ausente.

Ele não conseguiu perceber que In Na estava depressiva. Estava concentrado demais no trabalho para perceber e agora sabia que ele havia sido o culpado do que acontecera com sua esposa.

Ele tratava pacientes, mas não foi capaz de ajudar a mulher que mais amara em sua vida.

O pior foi receber, no hospital, a notícia de que sua esposa estava grávida de oito semanas quando cometeu o suicídio.

Se ela sabia da gravidez, isso ele jamais saberia. E não queria conjecturar.

Depois do funeral de In Na, que durou três dias, ele não conseguiu retornar ao trabalho.

Ele sabia de todas as fases do luto, por isso, sabia que estava em negação, mas não conseguia superar.

Quando voltou ao trabalho, não quis mais sair. Trabalhou sessão em cima de sessão, dormindo poucas horas por dia. Quanto mais trabalho, melhor para ele, pois evitava pensar em In Na.

Ele sabia que isso era uma receita para um surto psiquiátrico, por isso, quando surgiu a oportunidade de ir para Jihan, ele largou tudo em Seul e rumou para Kitha. Agora que estava ali, tudo o que queria era trabalhar.

Trabalhar e Esquecer….

E Esquecer…

Esquecer…

– Por que você a deixou sozinha, doutor??

Park In acordou assustado. Havia pegado no sono enquanto analisava alguns papéis na poltrona de sua sala.

Por um segundo, ele escutou a voz de Ha Na na sua cabeça. Em seguida, começou a rir novamente.

– Pense, Park In! – disse ele a si mesmo – Você está cansado, exausto, perto de um surto. Vá pra casa e descanse, antes de ficar escutando coisas.

De qualquer forma, pensou ele, era incrível. Com apenas uma conversa com Ha Na, ele já escutava uma voz definida em sua cabeça que se parecia com a dela. Era uma sugestão. Uma forte sugestão. Como ela fez isso, ele não sabia, mas aquele caso estava ficando cada vez mais interessante…